São Paulo, terça-feira, 14 de dezembro de 2010
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ROSELY SAYÃO

Bebedeira na escola


Como um adolescente consegue se embriagar logo pela manhã? Vai à merceria, compra uma garrafa e pronto

O TELEFONE CELULAR de Renata tocou pouco antes das oito horas da manhã. Ela acabara de chegar ao trabalho depois de deixar o filho na escola para o último dia de aula do primeiro ano do ensino médio.
A chamada era da própria escola, que pedia para a mãe ir buscar o filho porque ele estava embriagado.
Renata pensou que se tratava de um engano da escola, já que fazia menos de uma hora que deixara o garoto na porta do colégio. Não era um engano. Ao chegar à escola, encontrou o filho alcoolizado.
Podemos usar esse fato para refletir a respeito de dois pontos distintos que acabam por se interligar: a relação dos jovens com o álcool na atualidade e os rituais de fechamento do ano letivo que muitos alunos praticam.
Você sabe, caro leitor, como é que em pouco mais de uma hora um adolescente consegue se embriagar logo pela manhã? Vai ao bar, à mercearia ou ao supermercado mais próximo da sua escola, compra uma garrafa de bebida e pronto.
Simples assim.
A venda de bebidas alcoólicas para menores de 18 anos é proibida, mas muitos comerciantes não tomam os cuidados necessários para que isso não aconteça.
Os jovens, é claro, vão tentar comprar, vão usar todos os tipos de artimanhas para conseguir a bebida que julgam importante tomar.
A sociedade, representada pelos mais diferentes setores, tem feito os jovens acreditarem que a bebida alcoólica é fundamental na vida.
E, é bom lembrar, quem ainda não amadureceu não tem a autonomia necessária para usar a bebida apenas em determinadas situações e sem abuso na quantidade.
Pesquisas apontam que quase metade dos jovens entre 12 e 17 a nos já bebeu pelo menos uma vez em sua curta vida. É muito, não é?
Esse consumo precoce da bebida alcoólica tem ocorrido com a nossa autorização, implícita ou explícita.
Os responsáveis por isso não são apenas os pais dos jovens. Todos nós somos cúmplices dessa situação preocupante.
Cultuamos os prazeres imediatos, as belas peças publicitárias que vendem um estilo de vida sedutor associado ao uso da bebida, não nos sentimos responsáveis pelo comportamento dos comerciantes que facilitam a venda de bebidas a menores de 18 anos. Vamos continuar com tal postura?
Agora, o final do ano letivo: à primeira vista, os alunos simplesmente adoram essa data. Pois é bom saber que, para muitos deles, trata-se de uma situação extremamente difícil de ser enfrentada.
É um verdadeiro luto que eles vivenciam nessa fase. E perder um grupo de pertencimento -mesmo que temporariamente- e aceitar o inevitável crescimento e/ou amadurecimento são aspectos de um processo que angustia crianças e jovens. Por isso, precisam de ajuda na escola nesse período.
São poucas as instituições de ensino básico que se dão conta de que precisam se antecipar aos acontecimentos que podem surgir, em virtude desse processo dos alunos.
Resultado? Grupos de alunos bebem como no exemplo citado no início, outros fazem a maior algazarra, outros arrumam encrencas, transgridem regras etc.
Nossa sociedade está cada vez mais carente de rituais de passagem. E, para os mais novos, estes poderiam ser de grande valia. Na escola, poderiam ser criados rituais de recepção e de despedida dos alunos, dentro do contexto do estudo e do conhecimento.
Em família, os jovens poderiam ter ocasiões especiais de celebração que os ajudariam a esperar para beber, para dirigir etc.
Quando é que vamos levar a sério nossa responsabilidade com as novas gerações, tenhamos ou não filhos?

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)


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