São Paulo, quinta-feira, 15 de abril de 2004
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Relação médico-paciente permite negociar preços

Conversar com a secretária e se informar previamente sobre o valor do tratamento são medidas que evitam constrangimento

IARA BIDERMAN
FREE-LANCE PARA FOLHA

Embora saúde não seja uma mercadoria que se escolha na prateleira conforme o dinheiro que se tem no bolso, ela tem um preço. Mas para o paciente costuma ser constrangedor, quando não um tabu, falar de dinheiro no consultório médico. Difícil para um paciente se ver negociando o preço ou a forma de pagamento de uma consulta ou ainda realizando uma pesquisa de preço antes de se decidir pelo tratamento proposto pelo médico. "Para mim, a prática é totalmente aceitável", afirma o cardiologista Mauricio Wajngarten, chefe da geriatria do Instituto do Coração (Incor) e professor livre-docente da faculdade de medicina da Universidade de São Paulo. "Hoje em dia, qualquer pessoa que tenha um pouquinho de responsabilidade tem de perguntar o preço e, se necessário, negociar", diz Wajngarten.
A relação médico-paciente de qualidade, que pressupõe, entre outros, a explicação clara do diagnóstico e as opções de tratamento, também passa pela questão financeira, diz Roberto Hirsch, neurologista do hospital Albert Einstein (SP). "Antecipar ao paciente o gasto que ele terá diminui a aflição na hora de pagar a conta", acredita Hirsch.
Quando se trata de uma primeira consulta e, portanto, a relação ainda não está estabelecida, a opção é perguntar o preço e as eventuais formas de pagamento antes de marcá-la. "O paciente tem de aprender a conversar sobre o pagamento antes do procedimento. Não é o que costuma acontecer, mas perguntar o preço é muito legítimo", afirma Antônio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica.
Maria Stella Gregori, diretora de fiscalização da Agência Nacional de Saúde (ANS) e que já integrou a direção do Procon, diz que o Código de Defesa do Consumidor não regula os serviços do profissional liberal médico, mas estabelece que toda informação (sobre produtos ou serviços) tem de ser dada de forma clara, ou seja, é obrigatório informar o preço ao consumidor. Sabendo qual é o preço, o paciente pode aceitar ou tentar negociar. O detalhe: não há legislação que estipule o teto máximo para honorários médicos. O que vigora é a lei do mercado.
"Um pediatra em Nova Iguaçu (Baixada Fluminense) cobra, em média, R$ 40 a consulta. Na zona do sul do Rio, a mesma consulta vai custar R$ 200 ou mais", diz Eduardo da Silva Vaz, diretor da Associação Médica Brasileira (AMB). Quem paga mais traz mais expectativas agregadas à consulta médica.
"A sala e o tempo de espera, as revistas que encontra na recepção, a duração da consulta, tudo isso está incluído nessas expectativas", diz Ana Maria Malik, médica e diretora de pesquisas em saúde da Fundação Getúlio Vargas. E não é só isso. O médico que pode cobrar mais também pode dedicar mais tempo para cada paciente sem tornar o consultório economicamente inviável nem prescindir de investimentos em reciclagem profissional. "Na área médica, o conhecimento fica velho rapidamente, a educação permanente é fundamental para se manter atualizado", afirma Malik.
Para Antônio Carlos Lopes, o preço determinado pelo mercado também se refere a questões éticas. "O valor deve se equiparar à média cobrada pelos médicos que atuam naquele local. Cobrar muito abaixo caracteriza uma concorrência desleal", diz Lopes. Exorbitar no preço também fere a ética médica, mesmo que não exista uma determinação para controlar os preços máximos. "O problema da medicina é que não tem controle", diz Lopes.
No livre mercado das consultas particulares, o que serve de parâmetro para definir o preço da consulta ou do tratamento é o grau de formação, de atualização e a disponibilidade do médico, diz Marcello Barduco, cardiologista do Sírio Libanês (SP).
"Normalmente, um professor doutor cobra mais. Mas essa é uma decisão que passa do foro íntimo ao narcisismo de cada médico", diz Henrique Caivano Soares, professor de medicina legal e bioética da Unifesp.

Odontologia
Os conselhos re gionais e federal de odontologia, que regulam a prática, não estabelecem preço mínimo ou máximo para os procedimentos, seja uma simples restauração (de dente com cárie) ou uma aplicação de flúor. Ideval Serrano, presidente da Comissão de Ética do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo, diz que os parâmetros para fixar os honorários estão no Código de Ética Odontológica. Os parâmetros são: considerar a condição socioeconômica do paciente, o costume do lugar, a especialização do profissional, a complexidade do caso, o tempo do tratamento e o custo operacional.

Psicanálise
Em tratamentos que exigem consultas semanais, como o psicanalítico, a negociação prévia está implícita. "Na psicanálise, o paciente tem de assumir um compromisso com o seu tratamento. A pessoa sabe o valor e é responsável por aquilo que está fazendo", explica José Otávio Fagundes, secretário-geral da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.
Não existe consulta gratuita (até para pessoas de baixa renda é cobrado um preço, ainda que "simbólico"), e o horário do paciente é sempre cobrado, mesmo que ele falte à consulta. E mais: normalmente, não adianta o paciente desmarcar o horário com antecedência. A regra geral de cobrar a consulta mesmo quando desmarcada é adotada para evitar "manipulação" pelo paciente, que costuma ter resistências, nem sempre conscientes, ao trabalho psicanalítico, segundo Fagundes.
"Mas essa não é uma regra rígida. O processo de compreensão do profissional permite avaliar cada caso", afirma o psicanalista.


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