São Paulo, quinta-feira, 15 de agosto de 2002
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foco nela

Volta ao mundo aos 70 anos

DA REPORTAGEM LOCAL

Muito falante e animada, a escritora Geraldina Marx é uma aventureira de primeira linha. Numa fase da vida em que muitos idosos querem somente o sossego e a tranquilidade, ela preferiu correr o mundo.
Tinha 70 anos quando decidiu fazer a primeira viagem ao exterior. E não parou mais. Percorreu os cinco continentes. Conheceu da Muralha da China às pirâmides do Egito, de casas de prostituição em Amsterdã ao Vaticano e de tribos africanas à Disneylândia.
Agora, aos 90 anos, relata as suas peripécias no livro "Viagens do Arco-da-Velha - As Histórias da Volta ao Mundo de uma Escritora de 90 Anos" (251 págs., R$ 29, ed. Publisher Brasil, tel. 0/xx/11/3813-1836), o quarto de sua carreira (ela escreveu três romances).
Mais do que um diário de viagem, o livro é uma fonte de informações sobre a vida social e cultural dos países por onde Geraldina passou. É também o relato de uma existência. A autora diz, em um dos capítulos de "Viagens do Arco-da-Velha": "Nesse ocaso de minha vida, num calmo, doce e melancólico viver, nada seria mais gratificante que sair, descerrar a cortina do mundo, conhecer terras, hábitos, costumes, gente...". Leia a sua entrevista abaixo. (Antonio Arruda)

Folha - Como surgiu a idéia de viajar pelo mundo?
Geraldina Marx - Meu marido morreu em 1975 e, até então, eu não viajava muito, só fazia aquelas viagenzinhas para estações de águas. Um tempo depois, uma amiga me convidou para irmos à Europa. Eu achei graça. Imagine! Para mim, ir à Europa era quase impossível, porque achava que custava muito dinheiro. Mas ela me explicou que era possível pagar em prestações. Daí eu me animei e fomos. Em 29 dias, conhecemos dez países. Foi cansativo, é preciso muita disposição. Depois dessa primeira viagem, tomei coragem e decidi que iria continuar.
Folha - E qual foi a sensação dessa primeira aventura?
Geraldina - Maravilhosa. Eu pisava naquelas pedras de Florença, de Roma e tinha uma sensação de veneração, de respeito sagrado por aqueles mármores, aquelas estátuas seculares. Eu falava com meus botões: "Será possível que eu estou aqui, meu Deus? Eu estou mesmo no Vaticano, no Coliseu?".
Folha - Essa viagem foi feita com uma amiga. A senhora fez alguma sozinha?
Geraldina - A maior parte fiz sozinha. Na primeira, visitei a Grécia, o Egito, Israel e uma ponta da Turquia. Aliás, quando vi as pirâmides e a esfinge, nossa, que sensação inenarrável! Uma sensação de eternidade. Como aquilo tudo foi feito há tanto tempo e até hoje está em pé? E também passeei de camelo, o que foi divertidíssimo. Mas, que fique entendido, nessas viagens eu saio sozinha e me incorporo a um grupo. E eu até gosto, porque passo a ser a vedete da turma. Como sempre sou a mais velha e muito falante, as pessoas ficam me paparicando.
Folha - Qual a cidade mais bonita que conheceu, a que mais a emocionou?
Geraldina - Isso é difícil dizer, porque cada local era uma nova experiência. Mas a que mais me emocionou foi Málaga, na Espanha, porque minha mãe nasceu lá. Tive uma sensação muito comovente. Fui à catedral e pensei: "Poxa vida, minha mãe pisou aqui, frequentou esse lugar, deve ter feito a primeira comunhão aqui!". Conheci o bairro, a rua onde ela morou e ficava imaginando em qual casa ela teria vivido. E viajar para a Ásia também foi muito peculiar. Quando eu me defrontei com a Muralha da China, eu me emocionei demais, porque é uma coisa sobre a qual sempre ouvimos falar, mas, quando vemos aquilo, que tem tantos anos, é marcante.
Folha - E o livro? Desde o início, pensava em escrevê-lo?
Geraldina - Não. Escrevia mais para ter como recordação. A cada viagem que eu fazia, além de mandar cartas e fotos para meus netos, eu chegava em casa e fazia as anotações sem a intenção de publicar. Era uma espécie de diário, que mais tarde eu fui apurando. Como eu andava bem perto da guia de turismo para saber o que ela estava falando do local, incluí informações muito boas. E coloquei muito do meu conhecimento também, coisas que eu pesquisei depois. E daí, há uns quatro anos, conversando com meus editores, comentei as viagens, e eles sugeriram que eu fizesse um livro. Quando estava tudo mais ou menos organizado, meu filho faleceu, em 1999. Ele sabia do livro que eu iria publicar. Fiquei arrasada, completamente abalada, então deixei o livro de lado. Daí o médico, os familiares e a minha nora acharam que eu deveria ir viajar. Tanto eles fizeram que eu fui viajar de novo. E surgiu o último capítulo do livro, que se chama "A Mais Preciosa Viagem".
Folha - E ela foi no Brasil?
Geraldina - Foi. E foi a "mais preciosa", primeiro, porque conheci uma coisa extraordinária, que é a estrada que liga Curitiba ao porto de Paranaguá, descendo pela serra. E também por ter conhecido o Sul, aquele aspecto telúrico das pessoas, os imigrantes que trabalham de uma forma muito artesanal, aqueles que cultivam a uva e fazem seu próprio vinho. Isso tudo foi maravilhoso e me distraiu do desgosto que eu estava sentindo.
Folha - E qual é a próxima viagem?
Geraldina - Há uma moça de El Salvador que conheci na Grécia e me ligou, insistindo para que eu fosse conhecer o seu país. Se me der na cabeça, eu vou!


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