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Outras idéias - Anna Verônica Mautner
Praça x Orkut
Podemos nunca ter
pensado na diferença
entre se reunir e se
unir. Reunidos, formamos um coletivo e, assim,
estamos em um sem-número
de atividades cotidianas.
Reunidos estamos quando
esperamos por condução,
quando torcemos em um estádio, quando somos tietes em
shows, em desfiles patrióticos e
em solenidades religiosas.
Formamos um coletivo diante de uma circunstância agregadora. Os que vão ao show ou
aguardam o ônibus sabem que
estão ali pelo mesmo motivo.
Vindos de milhares de casas diferentes, confluímos sem nos
conhecer. Reunidos sem planejamento e sem que qualquer interação se faça necessária, reconhecemos estar no mesmo
diapasão -curtindo a mesma
admiração ou espera.
O fato de termos sido atraídos por um anúncio nos dá segurança do que nos espera. Não
é raro haver tumulto em multidões -isso ocorre na decepção,
quando aquilo que nos trouxe
não se realiza: o show que não
acontece, o ônibus que não chega, o avião que não parte.
O mais comum é as pessoas
procurarem a proximidade de
seus semelhantes. Esse tipo de
congraçamento de anônimos é
cada vez mais freqüente, e os
locais para esses eventos se ampliam, sem que desapareçam
locais pequenos, onde, ao contrário do que ocorre em multidões, encontramos união.
Os espaços de eventos promovem encontro de semelhantes. Vai ao show do Caetano
quem gosta do Caetano. Se está
lá, dá sinais claros de apreciar o
que foi anunciado. No jogo do
Palmeiras com o São Paulo, é
raro encontrar corintiano.
Estar entre semelhantes é
um passo para o conforto, mas
não é o suficiente para um
mundo interno tranqüilo.
Onde é que nós vamos encontrar um parceiro para uma
boa troca afetiva ou intelectual? Espaços físicos, livres para ir e vir, são muito poucos,
tanto que o Brasil se tornou um
dos países que mais usam salas
de encontro na internet.
Apesar de esse recurso permitir dissimulação, é ainda o
lugar onde a população com
acesso à internet pode se refugiar à procura de diálogo sem
precisar de carteira de sócio.
Pode parecer uma afirmação
precipitada, mas foi a que ocorreu em primeiro lugar. As salas
de bate-papo geram amizades e
até casamentos, mas faltam o
olhar furtivo e os gestos que
nem o Skype consegue suprir.
Permita-me recorrer a memórias de um passado nem tão
longínquo quando cada bairro
tinha seu "ponto". À tardinha,
os jovens se dirigiam para lá em
grupos, moços pra cá e moças
pra lá, para trocarem olhares e
se escolherem. Depois de semanas em que os olhares repetidos asseguravam aceitação, o
moço ia falar com a moça.
Nas cidades pequenas, o ponto era nas praças; nos bairros,
em alguma rua larga. As famílias permitiam aos jovens ir ao
"footing" porque, se assim não
fosse, como começariam a namorar sob os olhos zelosos da
comunidade? Nas esquinas, os
bares eram o ponto de encontro de homens que batiam papo até mais tarde, quando as
mulheres já estavam em casa.
Na Antigüidade, havia a ágora, onde se trocavam idéias,
mercadorias e notícias. Era um
mercado que hoje se chama
Orkut. Só que agora o olhar
furtivo não existe.
São Paulo já teve suas ágoras: a biblioteca municipal, as
saídas das missas, os bares perto de escolas e universidades.
Por aí ainda encontramos resquícios do "footing".
Pontos de encontro são necessários, e não é saudosismo
barato. Sugestões? Mais de um
Sesc em cada bairro, mais centros culturais, muito mais espaços livres. Nada contra a virtualidade do computador, mas
tudo pela construção de histórias ligadas a lugares, eventos e
liberdade de ir e vir.
ANNA VERONICA MAUTNER, psicanalista da
Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed.
Ágora)
amautner@uol.com.br
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