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SAÚDE
Trabalho manual
IARA BIDERMAN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Para a microempresária Maria do Rosário
Sampaio, 50, "mexer
com papel é uma alegria". "Você descobre que pode
fazer um monte de coisas", diz.
Algumas delas, como sentir os
pesos dos diferentes papéis
com as mãos, podem ser naturais para a maioria das pessoas.
Mas Maria do Rosário perdeu a sensibilidade nas pontas
dos dedos, um dos efeitos da
quimioterapia à qual se submete, ininterruptamente, desde
janeiro de 2006, após o diagnóstico de um câncer no intestino seguido por metástases
nos ovários e nos pulmões.
Maria do Rosário considera
parte importante de seu tratamento as horas que dedica ao
recorte e à colagem com papel.
"A arte me ajuda muito a enfrentar a doença. É óbvio que os
remédios também ajudam, mas
[trabalhar com] o papel me tira
do fundo do poço, melhora minha qualidade de vida. Minha
médica diz que melhora até
meu sistema imunológico."
O que Maria do Rosário descobriu por conta própria começa a ser comprovado por pesquisas realizadas de acordo
com os critérios necessários
para a prática da chamada medicina baseada em evidências.
Uma dessas pesquisas, publicada no "European Journal of
Cancer Care", foi feita na Universidade de Umea, na Suécia,
com 41 pacientes de câncer de
mama em tratamento radioterápico. Apesar de o número de
participantes não ser grande,
características do estudo, como
ter um grupo controle, escolha
aleatória de pacientes para a arte-terapia e o fato de as entrevistas sobre os resultados terem sido feitas sem que os profissionais soubessem a qual
grupo pertencia cada pessoa,
permitem conclusões mais objetivas sobre os efeitos benéficos da técnica especificamente
em pacientes com câncer.
"Há várias publicações sobre
arte-terapia, mas não havia um
estudo controlado e randomizado [de escolha aleatória]. Para saber se a técnica traz de fato
efeitos positivos, precisamos
de um grupo controle, composto por pacientes com os mesmos tipos de diagnóstico e tratamento, para fazer a comparação", disse por e-mail à Folha o
oncologista Jack Lindh, responsável pelo estudo.
As pacientes da pesquisa responderam a questionários sobre qualidade de vida em três
momentos: antes do começo da
radioterapia, dois meses após
iniciado o tratamento e seis
meses depois. Metade do grupo
participou de cinco sessões semanais de arte-terapia com duração de 60 minutos cada uma.
As mulheres desse grupo tiveram uma melhora significativa da qualidade de vida e da
saúde física e psicológica e sentiram menos efeitos colaterais
da radioterapia. "Essas conclusões mostram que a arte-terapia é uma ferramenta poderosa
na reabilitação de pacientes
com câncer de mama e, possivelmente, com outros tipos de
câncer", afirma Lindh.
Ele acrescenta que o estudo
comprova a eficácia da técnica,
mas não é conclusivo sobre os
mecanismos que levam aos resultados positivos, embora
acredite que estejam relacionados à construção de uma autoimagem positiva, à possibilidade de expressar sentimentos,
ao maior controle sobre a vida
pessoal e à redução do estresse.
Para Auro del Giglio, professor de oncologia e hematologia
da Faculdade de Medicina do
ABC, "tudo o que pode ser feito
para melhorar a vida do paciente é muito bom". "Funciona? Então não precisamos descobrir exatamente por que, isso
pode vir depois."
Os novos estudos que surgem em publicações médicas
podem ajudar a trazer essas
técnicas à tona. "Imagino que a
maioria dos trabalhos sobre arte-terapia sejam lidos por arte-terapeutas, e não por médicos,
o que faz com que tenham menor impacto na prática clínica.
Por isso, é importante mostrar
aos médicos que novas estratégias são eficazes", diz Lindh.
A tarefa não é fácil, porque a
área envolve muitos aspectos
subjetivos difíceis de serem
quantificados, como a noção de
bem-estar. Sérgio Simon, professor de oncologia da Unifesp
(Universidade Federal de São
Paulo) e diretor do Centro
Paulista de Oncologia, acredita
que as terapias complementares melhorem de fato a qualidade de vida, mas diz que o estudo sueco é muito pequeno
para ter força de evidência.
"As técnicas são aconselháveis desde que feitas por profissionais qualificados e que tenham uma boa base de conhecimentos", diz.
Paulo de Tarso Lima, responsável pelo grupo de medicina integrativa e complementar
do hospital Albert Einstein, em
São Paulo, acredita que a tendência é incorporar cada vez
mais essas práticas.
"Hoje já falamos em medicina integrativa, que é um termo
mais amplo do que complementar. Uma vez comprovada
a eficácia dessas técnicas chamadas alternativas, elas deixam de ser "paralelas" e entram
no arsenal de tratamentos."
Crianças com câncer
Quando os pacientes são
crianças, a técnica pode alcançar resultados nem sempre obtidos com a psicoterapia verbal.
"Muitas crianças dizem que
não gostam do psicólogo porque ele só fica perguntando e
elas não sabem dizer o que sentem", conta Luciana Cassino,
do projeto Cores da Vida, que
leva oficinas de arte para casas
de apoio a crianças com câncer.
"No trabalho de arte, os sentimentos internos da criança
são projetados em um suporte
externo", diz a arte-terapeuta
Cínthia Ghazarian Barana, que
orienta as oficinas para crianças do Cores da Vida no Cajec
(Casa José Eduardo Cavichio
de Apoio à Criança com Câncer), em Taboão da Serra (SP).
Barana, que realiza um trabalho com mosaico, diz que,
além de conseguirem um meio
de expressão, os participantes
se sentem produtivos. "Por isso, aumentam sua autoestima."
Recursos próprios
Para adultos, a arte-terapia
também melhora a comunicação entre o terapeuta e o paciente, acredita a psico-oncologista Luciana Holtz, presidente
do portal Oncoguia e representante no Brasil da Susan G. Komen for the Cure, ONG de sobreviventes do câncer de mama. "Para quem já está fragilizado, é uma forma mais leve de
abordar os medos e procurar
recursos para superá-los."
Outro aspecto importante da
prática é permitir ao paciente
que tenha mais controle do tratamento. "Na quimioterapia ou
na radioterapia, o paciente não
pode interferir em quase nada.
A finalização de um trabalho
artístico promove um resgate
de sua autonomia", afirma o
oncologista Auro del Giglio.
Segundo a arte-terapeuta
Regina Chiesa, que coordena
oficinas no Cora (Centro Oncológico de Recuperação e
Apoio), em São Paulo, a técnica
permite ao paciente que encontre recursos próprios para lidar
com a doença. A sessão de arte,
que pode ser em grupo ou individual, começa com a sensibilização do participante por meio
de exercícios corporais ou de
respiração, música, leitura de
textos ou visualização. Daí são
realizados os trabalhos plásticos, com materiais como argila,
tintas, papéis, cola e tesoura. O
participante, então, transpõe
para a linguagem escrita o que
percebeu no seu trabalho e verbaliza a experiência com a ajuda do terapeuta.
No ateliê do Cora, de seis a
sete participantes desenvolvem trabalhos como a escultura abstrata com pequenos buracos modelada em argila pela
pedagoga aposentada Elisabeth
Trezza, 70, que teve câncer de
mama. "Esses ocos na forma
são como os ocos que sinto no
estômago. Eu estava muito angustiada nessa última semana",
expressa.
Para Maria de Lourdes Furtado, 59, que tem câncer de laringe, seu prato estilizado representa a sua vontade de abocanhar a vida. "Quando se entra
em contato com o câncer, a
morte se torna real. A busca da
cura não é só do corpo físico,
mas da mente, da alma."
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