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Bebida em excesso modifica o cérebro
Novas drogas combatem a recaída de ex-dependentes, cujas conexões cerebrais foram alteradas pelo consumo de álcool
Marcelo Barabani/Folha Imagem
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O psquiatra Arthur Guerra, do Hospital das Clínicas, atende paciente dependente de álcool em seu consultório |
DANIELA FALCÃO - EDITORA-ASSISTENTE DO EQUILÍBRIO
"Meu pai bebe e exagera um pouco. Gostaria de
ajudá-lo a cortar esse mal pela raiz -com
uma simpatia, com qualquer coisa que o faça parar de
beber." O pedido, enviado por uma leitora de São Joaquim da Barra (interior de SP) à seção "Pergunte
Aqui", do Equilíbrio, ilustra a falta de informação sobre maneiras de ajudar quem bebe compulsivamente.
Apesar de a Organização Mundial da Saúde reconhecer o alcoolismo como doença desde 1967, muita gente
ainda acredita que parar de beber é, sobretudo, questão de força de vontade. Avanços recentes nas técnicas
de imagem cerebral, entretanto, comprovaram que a
dificuldade de se livrar do vício é muito mais resultado
de falhas do cérebro do que de falta de determinação.
Tomografias e ressonâncias magnéticas mostram que o excesso de bebida
"reesculpe" conexões cerebrais, destruindo a capacidade de a pessoa sentir
prazer sem beber e de agir conscientemente. Não é à toa que, a cada ano, 500
mil pessoas se internam em clínicas de
desintoxicação nos EUA e outro 1 milhão
procura o Alcoólicos Anônimos (AA).
No Brasil, levantamento do Hospital
das Clínicas (SP) aponta que 15% da população abusa de álcool.
As alterações que a bebida provoca no
cérebro ajudam a entender por que mesmo os métodos mais eficientes de combate ao vício, como o do quase septuagenário AA, apresentam taxas de sucesso
que não ultrapassam 50%. "As pesquisas
feitas a partir de imagens do cérebro de
alcoólatras corroboraram o que a gente já
sabia pela observação. Os pacientes bebem compulsivamente porque o excesso
de álcool provoca alterações cerebrais, e
não por serem sem-vergonhas", afirma o
psiquiatra Ronaldo Laranjeira, coordenador da Unidade de Pesquisa em Álcool
e Drogas da Unifesp.
Após cair na corrente sanguínea, o álcool segue para uma região do cérebro
conhecida como núcleo accumbens, onde ocorre um aumento aumento de concentração de dopamina -neurotransmissor ligado à sensação de prazer. O
consumo abundante e repetido da bebida faz com que a ligação entre álcool e
prazer fique registrada no córtex frontal.
É essa memória que cria a obsessão pelo
álcool, transformando o beber social em
compulsão.
Estudos recentes com animais em laboratório indicam que a bebida também
modifica a estrutura dos gânglios basais,
causando danos semelhantes aos observados em portadores de transtorno obsessivo-compulsivo.
O cérebro reprogramado pelo álcool
passa a demandar martinis, uísques e
vodcas com frequência e em quantidades
cada vez maiores. Uma imagem do drinque é suficiente para detonar o desejo incontrolável de beber, como demonstram
imagens do cérebro de alcoólatras em recuperação.
Medicamentos
Além de derrubar de
vez o mito de que o alcoólatra não abandona o vício porque não quer ou porque
é fraco, os avanços nas técnicas de neuroimagem estão ajudando também no
desenvolvimento de medicamentos que
aumentam as chances de cura. É o caso
do acamprosato, disponível no mercado
brasileiro há menos de seis meses e que
alivia os sintomas da síndrome de abstinência e, assim, ajuda a evitar recaídas. A
prescrição para indivíduos com insuficiência hepática ou renal é sua única contra-indicação.
Há cerca de dois anos no mercado, o
naltrexone também diminui a compulsão e ajuda o alcoólatra a permanecer
abstinente. Antes desse medicamento, a
única droga aprovada nos EUA para tratar a dependência do álcool era o dissulfiram. O remédio impede que o álcool ingerido seja metabolizado e causa náuseas, aumento da pressão arterial, rubor
facial e grande desconforto em quem bebe. "Ele funciona como um breque psicológico e ajuda o paciente a mudar de hábito, mas não diminui o desejo", explica
Ronaldo Laranjeira.
Os dois principais centros públicos de
combate ao alcoolismo de São Paulo
usam os dois novos remédios para aumentar as chances de sucesso do tratamento, mas o paciente tem de arcar com
os custos (R$ 150 por mês), pois o governo federal não os distribui gratuitamente.
"Estamos lutando para que isso aconteça. A rede pública do Rio saiu na frente e
comprou por conta própria, enquanto o
governo federal não se decide", diz Arthur Guerra, coordenador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool de
Drogas do HC.
Os novos remédios aumentam as chances de sucesso, mas não são panacéia e só
surtem efeito quando combinados a tratamentos tradicionais, como terapia cognitiva (em que o paciente discute o que o
leva a beber e aprende estratégias para se
afastar do vício) e aconselhamento grupal. "Não podemos esperar benefícios
milagrosos. Ainda não sabemos quais os
pacientes que mais se beneficiam da medicação", diz Laranjeira. "Elas são muito
importantes, mas o alcoólatra não pode
achar que vai tomar a droga, ficar curado
e poder beber socialmente. Isso é ingenuidade", completa Guerra.
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