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São Paulo, quinta-feira, 17 de julho de 2003
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Profissional moderno vê o paciente como um todo; RPG, homeopatia e acupuntura ajudam no tratamento convencional

Terapias complementares chegam ao dentista

CRISTINA CAROLA
DA REPORTAGEM LOCAL

Bel Pedrosa/Folha Imagem
A cirurgiã-dentista Marina Castro, que usa acupuntura como tratamento complementar em seu consultório, no RJ


Difícil contestar a tendência. Como bem define a futura dentista Tatiana Pegoretti, quintanista de odontologia na Universidade de São Paulo, "hoje você trata o paciente com dente, não o dente do paciente". "A odontologia tem evoluído muito em seus aspectos humanísticos e de visão holística." Essa não é declaração de estudante, mas do presidente da Sociedade Brasileira de Pesquisa Odontológica, Fernando Ricardo Xavier da Silveira. Aliás, esse novo perfil do cirurgião-dentista, que não se restringe ao tratamento da cárie, mas se preocupa com o paciente como um todo, foi o tema de um dos principais eventos da área, o 16º Congresso Internacional de Odontologia, que terminou ontem, no Rio de Janeiro. É na prevenção e no tratamento do indivíduo que estão centradas cerca de 61% da pesquisa odontológica brasileira, afirma Xavier da Silveira. Na próxima reunião anual da sociedade, no mês de setembro, mais da metade dos trabalhos a serem apresentados (60,93%) são de pesquisas que abordam aspectos dessa visão integral de saúde do indivíduo.
Pois o Folha Equilíbrio traz aqui alguns dos tratamentos odontológicos mais recentes que seguem essa tendência, como o uso da acupuntura, da homeopatia e da RPG no consultório dentário.

Agulhas para a dor
Para quem morre de medo de agulha, esta técnica talvez não seja a mais atraente, mas pode ser bastante eficiente, já que uma de suas funções é reduzir a ansiedade do paciente. "A acupuntura melhora a qualidade da relação entre profissional e paciente e entre paciente e tratamento", afirma Marina Castro, presidente da Associação Brasileira de Cirurgiões-Dentistas Acupunturistas - Divisão Rio.
As agulhas são usadas no consultório dentário como tratamento complementar ao convencional. Sem efeitos colaterais, são úteis em várias situações. Para controlar as frequências respiratória e cardíaca, por exemplo. "O controle da pressão arterial possibilita um tratamento mais seguro para pacientes propensos a esse tipo de problema", afirma Castro. Com acupuntura controlam-se também sangramento e náuseas que acometem alguns pacientes na confecção de moldes de próteses.
As agulhas são colocadas antes de o motorzinho entrar em ação, no rosto, nas mãos, nos pés e/ou nas pernas.
Nos tratamentos mais doloridos e em cirurgias, caso de canal e extração, é usada a eletroacupuntura -as agulhas são conectadas a um aparelho de eletroestimulação- para aumentar o efeito analgésico.
"O que determina o uso ou não da anestesia convencional é o limiar de dor do paciente. Se ao começar o procedimento, ele se sente desconfortável, aí lanço mão da anestesia, mas em doses bem menores do que usaria sem a eletroacupuntura", diz Castro.
Já o cirurgião-dentista Wagner de Oliveira, professor da Unesp, não dispensa anestesia. E destaca a vantagem da eletroacupuntura no pós-operatório: a perda de sensibilidade à dor é mais profunda e prolongada e há redução do inchaço e da inflamação.

Nutrição anticárie
Dieta para os dentes? Exato. Determinados alimentos têm propriedades que atuam na proteção dos dentes contra as cáries. É o caso, por exemplo, da pipoca! O milho é considerado um alimento protetor, assim como o leite, as gorduras vegetais e as frutas oleaginosas (leia relação ao lado). Eles formam uma barreira entre o dente e a placa bacteriana, limitando a ação dos ácidos produzidos pelas bactérias e que são responsáveis pela formação da cárie. "Se você for comer uma sobremesa romeu-e-julieta, por exemplo, é melhor que coma por último um pedaço do queijo, porque ele é um alimento protetor", diz Eliete Rodrigues de Almeida, especialista em odontopediatria e que, na próxima semana, dará uma palestra sobre o assunto no 28º Congresso Universitário Brasileiro de Odontologia, em São Paulo. Já o carboidrato e o açúcar branco são reconhecidamente os grandes vilões. Eles fermentam na boca e reduzem o PH da saliva, deixando-a mais ácida. Assim promovem o ambiente ideal para a proliferação das bactérias. Mas é possível controlar esse indicador de PH. Como? Aumentando a salivação por meio do consumo de frutas e legumes duros. Esses alimentos estimulam a salivação e ainda aumentam o seu PH, neutralizando a ação dos ácidos das bactérias. Levam o nome de alimentos detergentes, já que promovem uma autolimpeza na boca. À noite, essa tarefa é menos intensa, por isso a higiene bucal antes de a pessoa ir para a cama merece atenção. "Com menos salivação, qualquer resíduo pode fermentar mais facilmente", diz a dentista. Segundo os preceitos da dieta dentária, há uma diferença enorme entre comer uma maçã fresca e uma maçã-do-amor, por exemplo. "É uma química na boca", diz Almeida. A maçã-do-amor, diferentemente da fruta "in natura", leva açúcar branco. Até se você comer uma salada de legumes e folhas e não escovar os dentes, eles estarão mais protegidos do que se o alimento for a maçã-do-amor. Pelo jeito, ela deve ser esquecida. Agora, para quem já está com o dente cariado, restam os chamados alimentos cariostáticos, que podem impedir a evolução do processo. Entre eles estão o xilytol -adoçante não-dietético presente em algumas gomas de mascar- e o juá -fruta do juazeiro de gosto bastante amargo, utilizado em fórmulas de pasta de dente. A aplicação de flúor também pode estabilizar o processo. Conhecer a ação dos alimentos na saúde da boca dá autonomia às pessoas. Perceber como a cárie acontece e como controlá-la, deixando de depender do dentista, é importante em qualquer faixa etária, diz Almeida. A dieta, no entanto, não exclui a prevenção com flúor e as escovações regulares.

Do peito para o copo
Para a saúde da boca, todas as etapas da vida são importantes, mas a ênfase é para a infância. A partir da amamentação, "o ideal é passar para o copo e a colher e, depois, introduzir alimentos durinhos, sem usar mamadeira", diz a especialista. Na falta do leite materno, deve-se optar por bicos de mamadeira ortodônticos e, quando a criança começar a comer papinha, não usar liquidificador, mas amassar a comida com um garfo. Isso incentiva a mastigação.
Os problemas ortodônticos vêm crescendo, diz Almeida, porque as pessoas não mastigam mais e os alimentos são menos consistentes. "A criança diz que não gosta de carne, mas come hambúrgueres! Na verdade, ela não gosta de mastigar."
Como os dentes permanentes se desenvolvem de zero a quatro anos, a atenção tem de ser redobrada nesse período. "O dente não precisa ser perfeito, ele precisa ser bem formado para ser menos suscetível às cáries. E a nutrição gera a saúde do dente."

Consultas alongadas
Se você procurar um cirurgião-dentista homeopata, em vez de sentar na cadeira e logo abrir a boca, você vai ficar mais de uma hora conversando sobre seus sonhos, suas ansiedades, seus medos e a maneira como vive.
Essa investigação é feita porque "cada pessoa adoece de um jeito, e a homeopatia atua nessa suscetibilidade", explica Eliana Pirolo, coordenadora e professora do curso de homeopatia da Fundecto (Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico de Odontologia), da USP. O foco da homeopatia é a causa do problema, e ela pode não estar na boca.
"Se o problema dentário é reflexo da má escovação, por exemplo, temos de saber por que a pessoa não está dando valor a uma atitude normal, por que não está olhando para si mesma", explica Glória André Feigheltstein, presidente da Associação Brasileira de Cirurgiões-Dentistas Homeopatas - Divisão Rio.
Assim, além de sanar o problema local usando as técnicas odontológicas tradicionais, os dentistas homeopatas usam medicamentos que ajudam a controlar a dor e a ansiedade e a reduzir a tendência às cáries e a outros problemas bucais.
A homeopatia vale como tratamento complementar em todas as idades, até mesmo antes de o bebê nascer. Nesse caso, ela atua na odontogênese (fase de formação dos dentes do bebê no útero materno), segundo Feigheltstein. "Analisando a biotipologia dos pais, podemos prescrever à gestante medicamentos que previnem a má formação dentária."
Em alguns casos, é necessário apoio de outro especialista. Na puberdade e no climatério, por exemplo, as pessoas podem ter mais problemas periodontais por causa das mudanças hormonais. Além de tratar a gengiva e a dor desses pacientes, o dentista sugere que eles procurem um médico, preferencialmente também homeopata, para que o tratamento seja mais abrangente.

Fita clareadora
Chá e batom podem "tingir" os seus dentes -e não são os únicos inimigos. Para eliminar o efeito desses corantes, os dentistas têm à mão alguns aliados. O mais novo deles é o Whitestrips, um adesivo que a própria pessoa fixa no dente e usa uma hora por dia, 30 min. de manhã e 30 min. à noite, durante 28 dias, em média -14 dias para cada arcada.
"Esse clareamento funciona bem para dentes naturais escurecidos, mas não clareia restaurações", diz Paulo Eduardo Capel Cardoso, professor do Departamento de Materiais Dentários da USP. E mais: o clareamento não é um branqueamento, os dentes só poderão clarear dentro de seus matizes.
A fita possui microbolhas de peróxido, mesma substância usada nas demais técnicas: as moldeiras (capas de plástico) e o clareamento a laser. As diferenças entre elas estão na concentração do peróxido e na forma de aplicação. A moldeira tem de ser usada por até oito horas por dia. O laser é aplicado no consultório.
A concentração do peróxido varia de 6% (adesivo) a 35% (laser). Quanto maior a concentração, maior a sensibilidade pós-aplicação, que é passageira. O dente fica sensível porque fica mais exposto.
Segundo o presidente da Sociedade Brasileira de Odontologia Estética, Marcelo Fonseca, o Whitestrips tem duas limitações: não funciona em dentes muito desalinhados e em arcadas muito grandes, porque a fita tem um tamanho universal.

RPG para a mandíbula
Facilitação neuromastigatória. Essa técnica de nome complicado foi desenvolvida pelo cirurgião-dentista Edson Negrelli com base nos conceitos e nos movimentos da RPG (reeducação postural global). O principal objetivo é tratar as dolorosas disfunções temporomandibulares (DTMs), capazes de causar de cefaléia a zumbido nos ouvidos.
Muitas vezes de difícil diagnóstico, as DTMs podem ter origem na postura inadequada, em próteses mal-adaptadas, na oclusão incorreta (relação incorreta dos dentes das arcadas superior e inferior) e no ranger e pressionar os dentes. Em todos esses casos, os músculos e as ATMs (articulações temporomandibulares) ficam sobrecarregados.
No caso de problemas de postura, por exemplo, como escoliose e hiperlodose, é o mau posicionamento da cabeça que sobrecarrega a região. "A posição da cabeça tem efeito mais imediato sobre a mandíbula na posição de repouso [boca semi-aberta]."
A técnica, segundo Negrelli, baseia-se numa visão mais global do paciente, tratando a região temporomandibular e, mais especificamente, o sistema mastigatório como parte do conjunto das cadeias musculares do corpo. Com técnicas manuais, ele descomprime as ATMs e alonga os músculos da mandíbula, reduzindo sua rigidez ou seu encurtamento.
O tratamento é composto de quatro a seis sessões de 50 minutos cada uma, realizadas uma vez por semana. A manutenção é feita inicialmente com uma sessão mensal.
A facilitação neuromastigatória pode ser usada ainda quando o tratamento odontológico exige um grande grau de abertura da boca, como na extração de siso, por exemplo. Nesse caso, o atendimento é feito na própria cadeira do dentista e demora cerca de 15 minutos.



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