UOL


São Paulo, quinta-feira, 17 de julho de 2003
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

foco nele

Surfista salva tartarugas em extinção

AUGUSTO PINHEIRO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Um surfista e dono de um bar na beira da praia de Intermares, no município de Cabedelo (a 18 km de João Pessoa, PB), está salvando milhares de tartarugas de uma espécie em extinção, as chamadas tartarugas-de-pente. Mesmo sem conhecimentos técnicos de preservação do réptil, Valdi Moreira decidiu empenhar-se na tarefa de proteger os ninhos das tartarugas que desovam na praia.
Criou uma ONG e conta com o trabalho de voluntários da região. Moreira é tão dedicado às tartarugas que, por causa delas, perdeu a mulher. Leia abaixo.

Folha - Como começou o trabalho de proteção das tartarugas?
Valdi Moreira -
Há três anos, vi uma tartaruga desovar ao lado do bar. Marquei o local com três pauzinhos, porque fiquei curioso para ver os filhotes nascerem. Mas, como passavam muitas pessoas por ali, a areia ficou compacta, e os filhotes não conseguiram sair e morreram. Quando cavei para ver, o ninho estava duas vezes mais profundo que o normal. Fiquei muito triste, eu me senti culpado. Por isso comecei a proteger os ninhos.

Folha - E como foi no início?
Moreira -
Comecei a andar na praia para ver se conseguia ver outra tartaruga para não acontecer a mesma coisa, porque aqui passa carro, cavalo. É uma vergonha. Outro problema é que, por se tratar de uma praia urbana, os filhotes vão em direção ao asfalto atraídos pela luz e acabam morrendo. Então, eu cerco o ninho com uma rede. Quando os filhotes nascem, geralmente à noite, coloco-os em uma caixa e levo-os para o bar. No dia seguinte, cedinho, solto todos no mar.

Folha - Você contatou o Projeto Tamar?
Moreira -
Sim, logo no início mandaram um caderno de campo, com os dados sobre a tartaruga e os procedimentos para a proteção dos ninhos e dos ovos. Então juntei isso à minha experiência.

Folha - Eles aprovam o trabalho?
Moreira -
Com certeza aprovam, porque não há quem o faça. A gente está só salvando vidas, ajudando a levar mais tartarugas para o mar e a conscientizar a população. Não há o que não aprovar.

Folha - Você tem ajuda de outras pessoas?
Moreira -
Depois de um ano e meio, conheci um casal de biólogos, a Rita Mascarenhas e o Douglas Zeppelini Filho. Ele veio surfar na praia e tomou conhecimento do trabalho. Pediu que o avisasse quando surgisse um ninho. Na mesma noite, apareceram dois ninhos. A partir daí, eles se juntaram a mim. Fundamos a ONG Guajiru [nome de uma planta nativa da praia], que funciona aqui, no bar mesmo, e conseguimos mais apoio de órgãos governamentais. Se não fosse por eles, o trabalho não estaria tão organizado. Eu digo que nem trabalhamos como voluntários, pois praticamente temos de pagar para fazer esse serviço. Recentemente, ganhamos um carro da Emater [Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural] para ampliar a área de abrangência do projeto.

Folha - A ONG tem outras atividades?
Moreira -
Tínhamos um projeto contra a poluição das praias, mas, como sobrava pouco tempo, não deu para levar adiante. Mas nosso maior interesse é retomar esse projeto, pois não adianta ter a tartaruga com a praia cheia de lixo.

Folha - O lugar tornou-se área de proteção ambiental. Como se deu isso?
Moreira -
Foi projeto do ano passado de um vereador morador do bairro. Mas, ao mesmo tempo que é bom, eles querem tirar meu bar da praia. Mas tudo começou aqui! Neste ano, a gente deve salvar mais de 7.000 tartarugas. Desde o início do projeto, já foram salvas cerca de 13 mil.

Folha - Como é o cotidiano do trabalho?
Moreira -
Percorremos à noite e de manhã cerca de 3 km de praia, procurando o rastro da tartaruga, que parece um pneu de trator, ou dos filhotes. Aí protegemos os ninhos, com paus e uma rede, ou levamos os filhotes para o mar.

Folha - Sua dedicação ao trabalho fez com que você perdesse sua mulher?
Moreira -
Sim, foi por ciúme. Quando eu saía à noite para ver as tartarugas, ela achava que havia alguma coisa a mais. E eu ainda acordava cedinho. Com certeza, esse horários geraram conflito, e ela foi embora. Eu achava que o projeto era mais importante, estou lidando com vidas.

Folha - Como a tartaruga virou símbolo do bairro?
Moreira -
Quem tem comércio aproveitou para explorar a imagem da tartaruga. Os taxistas fizeram cartões com o desenho de uma tartaruguinha. A padaria vende os pãezinhos-tartaruga. Nos pontos de ônibus, há tartarugas pintadas. E o projeto contribuiu muito para isso.

Folha - Os clientes do bar acabam aderindo à preservação das tartarugas?
Moreira -
Com certeza. O bar gira em torno da preservação. Os frequentadores respeitam os ninhos. As crianças querem ver. Eu tenho uma lista com cerca de 200 telefones de pessoas que pedem para ver o nascimento dos filhotes.

Folha - O que é mais gratificante para você?
Moreira -
É ver as "bichinhas" saindo da areia, botando a cabeça para fora, tão inocentes, sem saber para onde vão... Saber que consegui mudar a vida delas, que antes todas morriam. Para mim, é uma emoção muito grande ver todas livres, crescendo. Mesmo sabendo que isso poderia me prejudicar, ao tentarem fechar meu bar, resolvi seguir adiante.


Texto Anterior: Contato com profissionais
Próximo Texto: quem é ele
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.