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foco nele
Surfista salva tartarugas em extinção
AUGUSTO PINHEIRO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Um surfista e dono de um bar na beira
da praia de Intermares, no município de
Cabedelo (a 18 km de João Pessoa, PB),
está salvando milhares de tartarugas de
uma espécie em extinção, as chamadas
tartarugas-de-pente. Mesmo sem conhecimentos técnicos de preservação do réptil, Valdi Moreira decidiu empenhar-se
na tarefa de proteger os ninhos das tartarugas que desovam na praia.
Criou uma ONG e conta com o trabalho de voluntários da região. Moreira é
tão dedicado às tartarugas que, por causa
delas, perdeu a mulher. Leia abaixo.
Folha - Como começou o trabalho de proteção das tartarugas?
Valdi Moreira - Há três anos, vi uma tartaruga desovar ao lado do bar. Marquei o
local com três pauzinhos, porque fiquei
curioso para ver os filhotes nascerem.
Mas, como passavam muitas pessoas por
ali, a areia ficou compacta, e os filhotes
não conseguiram sair e morreram.
Quando cavei para ver, o ninho estava
duas vezes mais profundo que o normal.
Fiquei muito triste, eu me senti culpado.
Por isso comecei a proteger os ninhos.
Folha - E como foi no início?
Moreira - Comecei a andar na praia para
ver se conseguia ver outra tartaruga para
não acontecer a mesma coisa, porque
aqui passa carro, cavalo. É uma vergonha. Outro problema é que, por se tratar
de uma praia urbana, os filhotes vão em
direção ao asfalto atraídos pela luz e acabam morrendo. Então, eu cerco o ninho
com uma rede. Quando os filhotes nascem, geralmente à noite, coloco-os em
uma caixa e levo-os para o bar. No dia seguinte, cedinho, solto todos no mar.
Folha - Você contatou o Projeto Tamar?
Moreira - Sim, logo no início mandaram
um caderno de campo, com os dados sobre a tartaruga e os procedimentos para a
proteção dos ninhos e dos ovos. Então
juntei isso à minha experiência.
Folha - Eles aprovam o trabalho?
Moreira - Com certeza aprovam, porque
não há quem o faça. A gente está só salvando vidas, ajudando a levar mais tartarugas para o mar e a conscientizar a população. Não há o que não aprovar.
Folha - Você tem ajuda de outras pessoas?
Moreira - Depois de um ano e meio, conheci um casal de biólogos, a Rita Mascarenhas e o Douglas Zeppelini Filho. Ele
veio surfar na praia e tomou conhecimento do trabalho. Pediu que o avisasse
quando surgisse um ninho. Na mesma
noite, apareceram dois ninhos. A partir
daí, eles se juntaram a mim. Fundamos a
ONG Guajiru [nome de uma planta nativa da praia], que funciona aqui, no bar
mesmo, e conseguimos mais apoio de órgãos governamentais. Se não fosse por
eles, o trabalho não estaria tão organizado. Eu digo que nem trabalhamos como
voluntários, pois praticamente temos de
pagar para fazer esse serviço. Recentemente, ganhamos um carro da Emater
[Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural] para ampliar a área de abrangência do projeto.
Folha - A ONG tem outras atividades?
Moreira - Tínhamos um projeto contra
a poluição das praias, mas, como sobrava
pouco tempo, não deu para levar adiante.
Mas nosso maior interesse é retomar esse
projeto, pois não adianta ter a tartaruga
com a praia cheia de lixo.
Folha - O lugar tornou-se área de proteção ambiental. Como se deu isso?
Moreira - Foi projeto do ano passado de
um vereador morador do bairro. Mas, ao
mesmo tempo que é bom, eles querem tirar meu bar da praia. Mas tudo começou
aqui! Neste ano, a gente deve salvar mais
de 7.000 tartarugas. Desde o início do
projeto, já foram salvas cerca de 13 mil.
Folha - Como é o cotidiano do trabalho?
Moreira - Percorremos à noite e de manhã cerca de 3 km de praia, procurando o
rastro da tartaruga, que parece um pneu
de trator, ou dos filhotes. Aí protegemos
os ninhos, com paus e uma rede, ou levamos os filhotes para o mar.
Folha - Sua dedicação ao trabalho fez
com que você perdesse sua mulher?
Moreira - Sim, foi por ciúme. Quando
eu saía à noite para ver as tartarugas, ela
achava que havia alguma coisa a mais. E
eu ainda acordava cedinho. Com certeza,
esse horários geraram conflito, e ela foi
embora. Eu achava que o projeto era
mais importante, estou lidando com vidas.
Folha - Como a tartaruga virou símbolo
do bairro?
Moreira - Quem tem comércio aproveitou para explorar a imagem da tartaruga.
Os taxistas fizeram cartões com o desenho de uma tartaruguinha. A padaria
vende os pãezinhos-tartaruga. Nos pontos de ônibus, há tartarugas pintadas. E o
projeto contribuiu muito para isso.
Folha - Os clientes do bar acabam aderindo à preservação das tartarugas?
Moreira - Com certeza. O bar gira em
torno da preservação. Os frequentadores
respeitam os ninhos. As crianças querem
ver. Eu tenho uma lista com cerca de 200
telefones de pessoas que pedem para ver
o nascimento dos filhotes.
Folha - O que é mais gratificante para você?
Moreira - É ver as "bichinhas" saindo da
areia, botando a cabeça para fora, tão
inocentes, sem saber para onde vão... Saber que consegui mudar a vida delas, que
antes todas morriam. Para mim, é uma
emoção muito grande ver todas livres,
crescendo. Mesmo sabendo que isso poderia me prejudicar, ao tentarem fechar
meu bar, resolvi seguir adiante.
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