São Paulo, quinta-feira, 17 de agosto de 2000
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DRIBLE A NEURA
Quando o corpo dá suas "gafes"

KARINA KLINGER - DA REPORTAGEM LOCAL

Balas aromáticas para melhorar o hálito, tossir ao arrotar para ninguém perceber, espirrar para disfarçar os gases, usar roupas claras para esconder a caspa e evitar a todo custo ficar sem sapato para que ninguém descubra o cheiro de chulé. Essas são algumas maneiras criativas e cômicas que as pessoas desenvolveram para camuflar as "gafes" provocadas pelo próprio corpo. Passar por uma situação dessas ao longo da vida é inevitável. Por isso o ideal é levar na brincadeira e agir com educação.
Restava apenas um chiclete de hortelã na bolsa da agrônoma M.K., que não aguentava mais tolerar o mau hálito do colega de trabalho. Com medo de que ele percebesse seu drama, ela ofereceu a goma ao amigo e fingiu também estar mascando o chiclete para não levantar suspeitas. O resultado da delicadeza lhe rendeu dores na mandíbula, mas ela comemora o fato de o amigo não ter percebido a manobra. Mesmo assim ela prefere não se identificar, como os entrevistados pela reportagem. "Seria chato se ele percebesse. Estava na Europa, fazia muito frio do lado de fora do carro, e eu não suportava mais ficar com a janela aberta. Foi a única solução que encontrei naquele momento", lembra. A repulsa em situações como a vivenciada pela agrônoma é inevitável e difícil de esconder. Segundo dentistas procurados pela reportagem, quem tem halitose (mau hálito) quase nunca sente o cheiro, e 90% dos casos acontecem por má higienização bucal. "Mastigar balas ou chicletes só resolve o problema temporariamente. A pessoa deve ter atenção ao escovar o dente e sempre passar fio-dental", aconselha o dentista Antonio Salazar Fonseca. "Também não é bom passar muito tempo em jejum. Com a falta de açúcar no organismo, há queima de gordura. Esse processo leva radicais livres para a boca e causa um odor ruim."
Chulé e caspa
Assim como o mau hálito, os odores corporais liberados pelo pé (chulé) ou pelas axilas também são inconvenientes. Problemas assim renderam à professora D.C. o fim de uma amizade. Quando estava na faculdade, ela alertou a colega de trás que seu lanche estava estragado por causa do cheiro forte. "Ela estava tomando um iogurte, achei que a bebida estava estragada e, como boa amiga, alertei", lembra a professora. Só depois de um tempo, ela percebeu que o problema não estava na bebida, mas no chão: sua "ex-amiga" havia tirado o sapato para relaxar. Mas o estrago já estava feito.
Sozinho, o suor não tem cheiro e deve ser bem-vindo porque controla a temperatura corporal. São as bactérias e os fungos que causam o forte odor. Com bom senso, o inconveniente é sempre contornável. A primeira atitude é procurar um médico. Mas há dicas simples para acabar com o problema: dar maior atenção à higienização, usar soluções anti-sépticas e evitar o uso constante de sapatos fechados.
"Na maioria das vezes o mau cheiro acontece por falta de higiene", comenta Sebastião Almeida Prado, do Departamento de Dermatologia da Faculdade de Medicina da USP.
Encontrada em forma de flocos nos ombros, a caspa acontece com quem tem predisposição genética para dermatite seborréica. A crostinha na careca dos bebês pode ser um sinal de que, na vida adulta, ele terá de lidar com os indesejados flocos. Os médicos afirmam que a doença não tem cura, mas pode ser controlada. Se a pessoa ficar um tempo sem dar atenção ao problema, ele tende a piorar. Para entender o que acontece, é preciso saber que, normalmente, a pele se renova a cada três ou quatro semanas, embora o processo seja invisível. "Além da descamação natural, há glândulas sebáceas no couro cabeludo que produzem gordura. Esse meio facilita o crescimento de bactérias. Quem tem caspa produz gordura em excesso e precisa ter cuidados extras para manter o problema sob controle", explica Almeida Prado. Segundo ele, em alguns casos, a caspa pode provocar até queda de cabelo. "E com o estresse, a caspa aumenta", diz a dermatologista Silvia Marcondes.
Para conter a escamação em excesso, deve-se usar xampus feitos à base de ácido salicílico, coltar (substância derivada do alcatrão) e enxofre. "Só que eles precisam ser usados com moderação porque costumam ressecar bastante os fios", adverte Marcondes.
Gases em excesso
A liberação de gases pelo organismo, outro motivo de muito constrangimento, acontece via oral ou anal. Os resultados são conhecidos, respectivamente, como arroto e gases. Quem fala muito, fuma, saliva bastante e exagera nas bebidas gaseificadas está mais sujeito a arrotar. Um detalhe curioso é que o comportamento é visto com bons olhos em algumas comunidades árabes. Na Arábia Saudita, por exemplo, o ato após as refeições é sinal de aprovação e contentamento com o que foi ingerido. No resto do mundo, a maioria das pessoas considera o arroto sinônimo de má educação. Segundo o médico gastrenterologista Sender Miszputen, da Unifesp, segurar o arroto não causa nenhum tipo de complicação, mas aumenta o mal-estar. "Tanto nesse caso como em problemas de gases, a única coisa que acontece é mesmo o desconforto", explica. O motivo que leva alguém a ter vontade de arrotar é banal: engolir ar demais. No caso do arroto, o cheiro está geralmente relacionado ao último alimento ingerido. Já nos gases liberados via anal, o processo é um pouco mais complicado. O gás é formado no intestino e transferido para fora pela circulação sanguínea. Quando há excesso de gás, o ar segue para o intestino grosso, onde adquire o odor forte, que é fruto da reação química entre as bactérias que existem no local e os restos de alimentos. Miszputen recomenda aos que sofrem com gases maior cuidado na hora de comer e, sobretudo, atenção ao escolher os alimentos. Brócolis, repolho, couve, couve-flor, beterraba, aspargo, feijão, ervilha, grão-de-bico, milho, lentilha, maçã, pêra, pêssego, cereja, leite, seus derivados e refrigerante devem ser consumidos com moderação. Eles causam mais gases porque estimulam a fermentação.
Contar ou não contar?
Avisar amigos e até desconhecidos de que o pé está cheirando mal ou de que a roupa está suja de caspas é uma dúvida que atormenta muita gente. Se existe um bom relacionamento entre quem se sente incomodado e quem tem mau hálito, chulé ou caspa, é necessário alertar sobre o problema, dizem os profissionais de saúde. "Todos eles têm tratamento", afirma Almeida Prado.
"Normalmente, as pessoas que têm mau hálito se sentem incomodadas quando são alertadas, mas é necessário falar", recomenda a dentista Claudia Chade.
Como as "gafes" cometidas pelo corpo são fáceis de perdoar e também não são sempre causadas por doença, a recomendação da psicóloga Maria Braganti, da PUC-SP, é que o problema seja apontado. "Quem cometeu a gafe pode até se sentir intimidado com a advertência, mas terá de aprender a conviver com o problema."
Segundo Braganti, ninguém terá um problema psiquiátrico grave se cometer uma das gafes descritas no texto. "A gafe incomoda porque revela algo que não é perfeito, que é mostrado à revelia e acaba envolvendo questões de caráter e personalidade. Qualquer coisa que fuja do padrão é um problema. Mas dificilmente alguém sofrerá para o resto da vida porque "soltou um pum" no elevador", conclui. "Até Tom Cruise ou Gisele Bündchen têm mau hálito de vez em quando."


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