São Paulo, terça-feira, 17 de agosto de 2010
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Cuide do seu nariz

Um olfato bem treinado deixa a vida mais rica, além de otimizar uma área nada desprezível do cérebro

Letícia Moreira/Folhapress
A assistente de perfumista Larissa Della Rosa no laboratório da Firmenich, SP

IARA BIDERMAN
DE SÃO PAULO

As rosas não falam, ou são as pessoas que não entendem mais a sua linguagem?
Como o sambista no jardim, a maioria recebe informações olfativas sem se dar conta do significado ou do efeito dessa comunicação.
"Vivemos basicamente em um mundo de som e imagem, não dependemos mais do olfato do ponto de vista da sobrevivência. Como é mal utilizada, desperdiçamos essa capacidade", afirma Paulo Bertolucci, chefe do departamento de neurologia comportamental da Unifesp.
Chega de desperdício. É possível apurar o olfato. "É o mesmo treinamento do provador de vinhos, cafés, perfumes", diz Bertolucci.
"Podemos recuperar essa capacidade perdida", afirma Mario Telles Jr., vice-presidente da ABS (Associação Brasileira dos Sommeliers).
Um exercício simples é passear na feira. Um mundo de aromas para serem sentidos. Basta cheirar, identificar a origem e memorizar.
"Treinar o olfato é sentir o cheiro e colocar dentro de um padrão. Dar um nome -cítrico, flor, banana, peixe- e repetir quando o aroma é detectado de novo", ensina Arthur de Azevedo, diretor-executivo da ABS.
O perfumista Adilson Rato, da Firmenich, uma multinacional de fragrâncias, acredita que as pessoas não desenvolvem o olfato porque não param para apreciar e tentar descrever as associações criadas com os cheiros que agradam ou não.
Uma forma de manter o olfato sempre apurado, segundo Renata Ashcar, autora de "Guia de Perfumes", é se lembrar sempre de respirar fundo e guardar o cheiro do momento, associando-o à situação que se está vivendo.
"Vale para tudo: cheiro de pessoas, ambientes, do almoço de domingo. Principalmente se for um bom momento, a conexão é imediata", diz Ashcar.
Para começar, aromas específicos (sem misturas) e diferentes entre si devem ser cheirados, nomeados e colocados dentro de um grupo. "Dividimos em famílias aromáticas (cítricos, florais etc.)", explica Telles Jr.
Ao avançar na técnica, o candidato a "Nariz" (jargão usado na indústria de perfumes para o criador de fragrâncias) pode tentar distinguir os diferentes odores que compõem uma substância aromática complexa, como um vinho ou um perfume.
O neurologista Benito Damasceno, da Unicamp, explica que o treino olfativo é um aprendizado cognitivo.
"Existe uma via de percepção que vai do receptor [células do nariz] para o sistema nervoso central. Mas também há o caminho inverso: vai do córtex [área responsável por funções como linguagem] até o receptor externo, para modular sua atividade", diz Damasceno.
Se prestamos pouca atenção aos cheiros, estamos desperdiçando também uma área enorme do cérebro que representa o olfato. E algo entre 10 mil e 400 mil odores detectáveis.
"É difícil saber o número total dos cheiros que o ser humano pode detectar", diz Bettina Malnic, coordenadora do laboratório de neurociência molecular da USP.
Malnic, pioneira no estudo do olfato no Brasil, trabalhou com Linda Buck, norte-americana que ganhou o Nobel por ter identificado, junto com Richard Axel, os receptores responsáveis pela captação de odores no nariz.
Hoje, sabe-se que o ser humano tem cerca de 400 receptores olfatórios. São eles que reconhecem os odorantes -moléculas voláteis emanadas de diferentes fontes, que se "encaixam" nos neurônios olfativos da mucosa nasal, gerando sinais elétricos. Esses são transmitidos ao bulbo olfativo e daí para outras regiões do cérebro.
"No sistema límbico, os odorantes são percebidos como informação e desencadeiam reações emocionais e do sistema nervoso autônomo", diz Damasceno.
Os sinais dos neurônios olfativos são enviados para as áreas cerebrais relacionadas às emoções e às memórias.

EFEITOS TERAPÊUTICOS
Os aromas também podem ativar uma região do cérebro chamada hipotálamo, que aciona a produção de hormônios ligados a funções fisiológicas como apetite ou comportamento sexual.
Não é surpresa, portanto, que os aromas tenham efeitos terapêuticos.
"Não é só coisa de "bicho-grilo". Há pesquisas científicas confirmando alguns efeitos", afirma Bertolucci.
Claro que, na chamada aromaterapia, há muita evidência anedótica (não é piada, é o termo usado para efeitos observados em casos isolados, sem controle etc.).
A ideia de usar óleos aromáticos de plantas para tratar a saúde física e mental é antiquíssima. O termo é mais recente: foi criado pelo químico Francês Renne Maurice Gattefosse, nos anos 1920.
Ele iniciou as pesquisas após um acidente de trabalho: uma explosão no laboratório queimou sua mão e, sem querer, a parte queimada mergulhou em óleo puro de lavanda, o que resultou em cura rápida e miraculosa.
Para separar milagres de usos que podem ser comprovados e replicados, um grupo de pesquisadores do instituto Sense of Smell, nos EUA, criou o termo aromacologia.
Isso designa apenas os efeitos olfativos que demonstraram cientificamente afetar o humor, a fisiologia e o comportamento. Ou seja, os que foram testados com os critérios da medicina baseada em evidências -incluindo metodologia, grupo controle e número suficiente de participantes nos estudos.

AROMA NA PELE
A aromaterapia é, geralmente, usada em conjunto com a massagem. Como há um considerável número de estudos mostrando que a massagem sozinha reduz a ansiedade e as reações físicas causadas por ela, fica difícil saber até que ponto há ação dos aromas.
Mas já foi demonstrado, em pelo menos um estudo, os efeitos fisiológicos de um aroma absorvido pela pele.
No trabalho, publicado no jornal "Neuropsychopharmacology", a principal molécula odorante da lavanda diluída em óleo inodoro foi aplicada com injeção na camada superficial da pele dos participantes, sem que eles pudessem sentir o cheiro. Em um grupo controle, foi injetado apenas óleo inodoro.


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