São Paulo, quinta-feira, 18 de abril de 2002
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Utilizado em situações de risco e em decisões imediatas, raciocínio intuitivo é muito rápido e surpreende porque surge sem explicação

Intuição é resultado de busca no subconsciente

Marcelo Barabani/Folha Imagem
Marcelo Massarani (primeiro à esq.), coordenador do curso de engenharia mecânica da Poli, realiza experimentos com seus alunos para trabalhar a intuição


ANTONIO ARRUDA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Quando uma pessoa diz: "Não me pergunte por que, nem eu sei o motivo", e anuncia uma decisão completamente inesperada, pode ter certeza de que ela não agiu guiada por forças sobrenaturais, mas usou um tipo de raciocínio, o intuitivo. Nesse caso, o que ocorre é um processamento muito rápido de informações e experiências armazenadas no subconsciente. Em cerca de meio segundo, o sistema nervoso central, agindo como um buscador, vasculha esse grande banco de dados e traz o resultado da pesquisa à consciência de sopetão, sem avisar por que, quando ou onde. "Quando uma pessoa intui, o que vem à mente é o resultado de uma pesquisa que ela não percebeu que fez, porque o cérebro agiu muito rapidamente", explica o psiquiatra Henrique Schützer del Nero, 42 anos, coordenador do grupo de ciência cognitiva da Escola Politécnica da USP (Poli). Recentemente, ele vivenciou uma situação em que agiu por intuição. Parado no cruzamento entre duas grandes avenidas de São Paulo, Del Nero viu um garoto aproximar-se de seu carro e não teve dúvida: tirou o cinto de segurança, abriu a porta e saiu. "Intuí que poderia ser um assalto e acreditei, até porque a intuição tem forte sentido de verdade, mas não deu certo", diz o médico. Del Nero somente decifrou por qual razão agiu assim depois do incidente. Enquanto o menino se aproximava, o buscador cerebral localizou, sem que ele percebesse, informações armazenadas no seu subconsciente sobre a série de sequestros que têm ocorrido na cidade e sobre o fato de que o jornalista Pedro Bial acabara de ser vítima de um assalto. Simultaneamente, uma nova informação foi captada: próximo de seu carro, havia um palhaço encostado em uma árvore, que poderia ser cúmplice do menino na suposta tentativa de assalto. Del Nero conseguiu identificar alguns elementos que possivelmente estavam associados ao seu raciocínio intuitivo naquele momento. Mas pode ter havido inúmeros outros. Tentar recuperar esses porquês é uma das dicas para estimular a intuição (leia mais na pág. 11). Essa tentativa, porém, nem sempre dá certo. "A intuição é um todo novo e sempre é percebida como um acontecimento inesperado. E há aquela intuição que podemos chamar de genuína: mesmo que tente identificar os fatores que o levaram a tomar uma atitude, o indivíduo não vai encontrar nenhuma explicação", afirma Paulo Henrique Bertolucci, 46, chefe do setor de neurologia do comportamento da Unifesp.

Rapidez
O raciocínio intuitivo é exigi- do quando a pessoa está diante de novidades ou de situações de risco ou precisa tomar alguma decisão rapidamente. Foi por isso que Marcelo Massarani, 36, coordenador do curso de engenharia mecânica da Poli, decidiu desenvolver a intuição de seus alunos, trabalho que vem realizando desde o início deste ano.
"Hoje o profissional lida com a falta de tempo e o excesso de informação. Ele tem de adquirir habilidade para tomar decisões, já que os prazos na rotina de trabalho estão cada vez mais curtos", explica. No segundo semestre, ele pretende reunir 60 alunos a cada quinze dias e propor experimentações para que eles desenvolvam a intuição.
Massarani começou a pesquisar o tema há dois anos e diz ter certeza de que a intuição é uma forma de pensamento. Para o professor, entender a intuição é uma preocupação recente, que ainda deve render muitas pesquisas.
Ou já está rendendo. Estudo recente, realizado por William Gehring e Adrian Willoughby, do departamento de psicologia da Universidade de Michigan (EUA), e publicado na revista "Science" no mês passado, registrou as atividades cerebrais de 12 pessoas de ambos os sexos, com idade entre 19 e 30 anos, enquanto elas faziam apostas simuladas.
Os pesquisadores observaram que há uma região no córtex cerebral que gera estímulos elétricos quando a pessoa deve tomar decisões rápidas que envolvem ganho ou perda. São situações em que as pessoas precisam trabalhar com respostas ágeis, automáticas, como ocorre com os controladores de vôo ou os operadores do mercado financeiro.
Há indícios de que os impulsos gerados no córtex registravam os erros e os acertos. Escolhas feitas após um erro pareceram mais arriscadas aos participantes e passaram a ser associadas a grandes perdas. Quando eles tinham que apostar após o córtex ter registrado um ganho, a sensação de erro evidente era amenizada.
De acordo com o estudo, já se tem uma pequena evidência de que o processo neurológico em humanos não é rápido o suficiente para produzir conscientemente essa avaliação, mas ele está diretamente relacionado ao comportamento de escolha do indivíduo.
Em entrevista à Folha, Gehring disse que é "totalmente plausível que a atividade cerebral observada nas pesquisas esteja envolvida em alguns tipos de raciocínio intuitivo". "Se um jogador, por exemplo, utiliza seu "sentido instintivo" e aposta em determinada alternativa, esse "sentido instintivo" pode ser influenciado pela atividade cerebral que avalia as perdas", explica o pesquisador.
Por ser difícil compreender o que é intuição, as pessoas acabam achando que estão diante de uma revelação divina. "Aqueles que não trabalham o pensamento intuitivo em si buscam-no no outro. Quando vai a um vidente, talvez a pessoa esteja à procura de imagens que ela não está acostumada a buscar em sua mente", diz Anna Mathilde Pacheco e Chaves, professora do departamento de psicologia social da USP.



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