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Alongamento: A regra não é clara
Dúvidas sobre a prática podem servir de estímulo para você se exercitar de forma mais consciente, em vez de só repetir o que 'todo mundo faz'
Marcelo Justo/Folhapress
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IARA BIDERMAN
DE SÃO PAULO
O alongamento já foi considerado requisito para a prática de exercícios e prevenção de lesões. Tornou-se popular como uma forma de recompensar os músculos
massacrados por corridas, levantamento de peso ou pelo
pula-pula da aeróbica.
A relação parecia óbvia:
contraiu? Agora, alongue.
Mas como quase nada no
funcionamento do corpo é
assim tão simples, a corda
começou a esticar para os defensores da causa.
Nos últimos anos, surgiram estudos mostrando que
se alongar antes do exercício,
além de não prevenir lesões,
eleva o risco de que ocorram.
A notícia agradou a turma
que já não gostava muito da
prática, mas se sentia culpada por deixar de fazer algo
tão recomendável para um
treino saudável. E não convenceu os fiéis defensores do
estiramento muscular.
Para complicar a vida de
quem busca uma regra clara
-alongar ou não- a última
grande pesquisa sobre o tema chegou à decepcionante
conclusão que... tanto faz!
O maior estudo sobre alongamento feito até hoje, envolvendo 1.400 pessoas de 13
a 60 anos, mostrou que o número de lesões entre quem se
alongou ou não antes de correr foi estatisticamente igual.
Feita pela organização governamental norte-americana para corrida e caminhada
Track and Field, a pesquisa
foi um balde de água fria para as correntes pró e contra
alongamento. Ele nem previne nem induz lesões, afirmam os autores do trabalho.
O mais chato é que, nesse
estica e puxa entre entusiastas e críticos do alongamento, o cidadão que quer simplesmente se exercitar da forma mais adequada possível
fica sem saber o que fazer.
"Concluir que o alongamento não serve para nada
não é o caminho", afirma
Mauro Guiselini, mestre em
educação física pela USP e
especialista em biomecânica
do treino de resistência pelo
Cooper Institute, dos EUA.
Para Guiselini, o problema
é que muitos atribuem à prática uma finalidade para a
qual ela não foi construída.
"As pessoas usam como se
fosse o aquecimento para a
atividade física, mas é no máximo uma parte dele, e com
efeito muito pequeno."
POSTURA
A ideia de que os exercícios deixarão os músculos
mais alongados também é
inexata. "O alongamento serve para manter o comprimento fisiológico [normal]
do músculo, não vai deixá-lo
mais comprido do que é", diz
o fisioterapeuta Victor Liggieri, autor de "De Olho na
Postura" (ed. Summus).
O treinador da clínica Força Dinâmica Luiz Fernando
Alves, formado em esportes
pela USP e especializado em
dor crônica e prevenção de
lesões, reforça que não há
consenso sobre o papel do
alongamento ou se deve ser
feito antes ou após o treino.
"Enquanto a ciência não
nos dá a luz, o que é possível
fazer é identificar a necessidade de cada pessoa e observar a postura certa durante a
execução de qualquer exercício." (Veja quadro à pág. 9)
A organização postural
também é a resposta para a
educadora física Christina
Ribeiro, coautora do livro sobre postura.
"Dependendo da forma
como é feito, o alongamento pode prevenir lesão ou acentuar um problema preexistente."
Foi o que aconteceu com o
psicanalista Daniel Kauffmann, 34. Corredor amador,
ele treinava cinco vezes por
semana, orientado por uma
assessoria de corrida. Fazia
tudo direitinho, inclusive a
sequência clássica de alongamentos para corrida.
"O erro é usar o mesmo tipo de alongamento para todo
mundo. No meu caso, os
alongamentos sobrecarregavam o que estava mais frágil.
Achava que estava fazendo
para prevenir a dor e era o
que mais me prejudicava."
Seu problema é o encurtamento da musculatura posterior (do pescoço ao tornozelo) que, com a repetição de
gestos e posturas erradas, gerou uma hérnia de disco.
Hoje, ele faz um trabalho
corporal que incluiu fisioterapia e reeducação da postura e dos movimentos.
Sua irmã, a consultora de
moda Carol Kauffmann, 36,
tem história parecida. Também praticante de corrida,
fazia o alongamento de praxe, mas isso não preveniu as
lesões na tíbia e no pé.
"Eu precisava de um trabalho específico para meu tipo de pisada. Os alongamentos não ajudavam em nada."
PARA QUÊ?
Segundo Guiselini, casos
como esses podem ser comuns, mas não provam necessariamente que se alongar para a prática esportiva
aumenta o risco de lesão, como sugerem alguns estudos.
Ele lembra que há vários tipos de alongamento (leia à
pág. 8). "Qual o melhor? Depende. Há técnicas para para
recuperar a amplitude, para
tensão muscular."
E as lesões podem, sim, ter
relação com o encurtamento
da musculatura.
O radiologista Marcelo
Brejão, 39, descobriu isso
quando uma dor nos ombros
passou a "corroer a alma".
Começou a malhar para perder peso. Ganhou músculos e
perdeu gordura com uma hora e meia de musculação
quatro vezes por semana e
três sessões de uma hora de
aeróbica. Achava que se
alongar não servia de nada.
"A musculação me deixava atarracado. Descobri que
podia compensar com alongamentos para aumentar a
amplitude articular."
ESTÁTICO OU DINÂMICO
Para o fisioterapeuta Marcelo Semiatzh, da clínica Força Dinâmica, é preciso trabalhar a amplitude e a distribuição da força muscular.
"Isso é feito de forma dinâmica, um vai e volta das posições de alongamento, sustentadas por cinco segundos,
com movimentos leves", diz.
Já o popular alongamento
estático não é indicado por
Semiatzh como preparação
para uma atividade intensa.
"Se você estica o músculo,
após um tempo ele manda
uma mensagem ao cérebro:
"estou arrebentando". A resposta cerebral é: relaxa. Então o sistema neuromotor
desliga a fibra muscular, para ela não fazer mais força."
E após o treino, é para
alongar como? Aqui também
as posições se dividem. E tudo depende da forma como
os exercícios são feitos.
Quem acha que precisa
atingir a extensão máxima e
que sentir dor é sinal de que
está se alongando, pode estar causando o efeito oposto.
Para algumas pessoas, vale fazer movimentos suaves,
prestando atenção na organização postural e pensando
no que está fazendo. Só não
vale fazer qualquer coisa só
porque todo mundo faz.
"Quando vejo atletas em
parques, penso que há uma
epidemia de tríceps encurtados. É todo mundo com o
braço dobrado por trás da cabeça. Para que, se esse músculo mal é solicitado na corrida?", questiona Guiselini.
Por essas e outras, o melhor a fazer é treinar o corpinho usando a cabeça.
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