São Paulo, quinta-feira, 19 de dezembro de 2002
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foco nele

Cirurgião plástico detona obsessão por vaidade

FREE-LANCE PARA A FOLHA

Ao receber no consultório uma paciente de 54 anos absolutamente satisfeita com seu corpo, mas que pedia intervenções estéticas por insistência do marido, o cirurgião plástico Rolando Zani aconselhou-a a trocar de marido em vez de mudar de aparência. Afinal, disse ele, o problema parecia ser com ele, não com ela. Zani encampa a luta contra a banalização das cirurgias plásticas e dos tratamentos estéticos. Segundo ele, uma grande parcela dos pacientes procura nas "lipos" e sessões de botox soluções para problemas emocionais, não físicos. Professor da Unifesp, ele acaba de lançar o livro "Bonito é Ser Você!" (208 págs., R$ 23,90, ed. Gente, tel. 0/xx/11/3675-2505).
Sobre a obsessão pela estética que toma conta das brasileiras, ele é pessimista: "Acredito que isso vai se intensificar ainda mais. A medicina da vaidade não tem limites, não conhece crises nem recessão". Leia a entrevista abaixo.

Folha - O que o levou a escrever o livro?
Rolando Zani -
Em 35 anos de profissão, vi pessoas correndo riscos desnecessários e exagerando nas cirurgias. A idéia é fazê-las pensar mais. Não estou dizendo que cirurgia plástica é ruim. Ao contrário, ela é boa, mas dentro de certos limites.

Folha - Como reagir a pacientes que querem a intervenção que é desnecessária?
Zani -
O importante é saber recusar. De cada dez pacientes que me procuram, sete eu recuso. Há pacientes que, diante de uma recusa, foram procurar outro médico e depois voltaram insatisfeitos.

Folha - A que o senhor atribui essa busca exacerbada pelos tratamentos estéticos?
Zani -
Muitas pessoas tendem a compensar um vazio com a vaidade excessiva, pensando que, ao melhorar a aparência, resolverão os problemas de suas vidas. No livro, eu conto sobre duas pacientes que fizeram cirurgias para aumentar as mamas. Uma delas modificou o modo como se via após a cirurgia. A outra continuou se sentindo da mesma maneira, apesar dos peitos maiores.

Folha - O importante é a pessoa mudar a sua auto-imagem?
Zani -
Toda vez que a cirurgia plástica não é acompanhada do aumento da auto-estima, ela não funciona. Muitas vezes as pessoas acham que o problema está na aparência, no corpo e esquecem que o importante é estarem bem com elas mesmas. Muitas mulheres procuram a lipoaspiração, por exemplo, como forma de emagrecimento, mas ela só funciona para quem já é magro e tem algumas gordurinhas localizadas.

Folha - O senhor acha que essa onda do botox e das plásticas é passageira ou veio para ficar?
Zani -
Eu acredito que isso vai se intensificar ainda mais. A medicina da vaidade não tem limites, não conhece crises nem recessão. Existe um lado positivo na medicina da beleza, ela incentiva as pessoas a se cuidarem mais, a tratarem da pele e da saúde. O que eu critico é o excesso. As pessoas acham que a cirurgia é uma varinha de condão que vai resolver todos os problemas, mas, enquanto não modificarem o modo como se sentem em relação a elas mesmas, continuarão insatisfeitas.

Folha - As mulheres são as que mais o procuram?
Zani -
Cerca de 95% dos meus pacientes são mulheres. Elas se espelham em padrões comercializados de beleza e não se valorizam como são. Já atendi muitas mulheres na faixa dos 20 anos que são lindas, mas se acham gordas e feias. Já recebi até convite para participar de aplicações de botox. Algumas mulheres organizam reuniões em casa e contratam um médico para fazer as aplicações, dividindo os custos entre elas.

Folha - Qual a faixa etária das clientes?
Zani -
Depende do tipo de cirurgia, mas há muitas mulheres bem jovens que descobrem um pneuzinho e querem fazer lipoaspiração. E mulheres na faixa dos 40 anos que procuram melhorar a imagem como forma de aceitação social.

Folha - Por que o senhor afirma no livro que o cirurgião plástico é um psiquiatra com bisturi na mão?
Zani -
O cirurgião plástico tem de estar bem atento ao que se passa com o paciente. Ele precisa conversar para descobrir os motivos que levaram a pessoa a querer mudar alguma parte do seu corpo. Ao contrário das outras áreas da medicina, em que o médico indica a intervenção, a cirurgia plástica é a única na qual o paciente é quem indica a própria cirurgia, o que exige um preparo e atenção especial do médico. (SIMONE IWASSO)


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