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Sabor de infância
Recentemente, li um
artigo do chef Massimo Bottura -que trabalha e reside em Módena, Itália- em que ele diz
que, para criar seus pratos, recorre ao banco de memórias
dos sabores de sua infância. Ele
afirma que as novidades da comida de vanguarda ainda não
são para todos e que a melhor
atitude para permitir sua apreciação é despertar a curiosidade das pessoas desde a infância.
E, diz ele, nisso os jardins-de-infância de Módena são um
exemplo, já que oferecem um
menu variado de comida italiana e internacional aos alunos.
Essa região da Itália, chamada Emilia-Romagna, é rica não
só em gastronomia, mas também em educação. É em Reggio
Emília, cidade vizinha a Módena, que está o que é tido como o
melhor projeto em educação
infantil do mundo.
Estive lá e me deliciei com a
preparação do almoço das
crianças. Elas mesmas colocam
a mesa, tuteladas pelos adultos,
é claro. E sabem preparar a mesa até para as situações mais
formais. Na hora do almoço, divertem-se, compartilham, experimentam quase tudo sem
fazer drama. É que alimentação, como disse o chef italiano,
"não é matemática, é emoção".
Já acompanhei a hora do lanche na educação infantil em várias escolas de São Paulo. As
lancheiras estão sempre recheadas de produtos industrializados. A quantidade de crianças que leva um lanche preparado carinhosamente em casa é
mínima. E não me refiro
aqui à questão nutricional, e sim ao aconchego
que pode significar a
alimentação para a
criança.
É a mãe que dá o
melhor alimento ao
filho quando ele nasce: o leite materno.
E, quando o bebê é alimentado, não é só a fome do
estômago que é saciada: é
também a de carinho. É assim que nasce a sensação de
prazer, e não só a de satisfação de uma necessidade, a
alimentar.
É esse o modelo que poderia ser mantido à medida que a criança cresce,
mas parece que, no mundo atual, a alimentação se
transformou em consumo apenas ou, então, em
questão nutricional. E
dá-lhe comida balanceada ou industrializada!
Não vale dizer que hoje os
pais não têm tempo para preparar o lanche do filho, já que
essa tarefa demanda um mínimo de tempo, mas muito de dedicação. E é nessas situações
simples que os pais podem expressar sua afetividade. Preparar um lanche inusitado ou um
almoço acompanhados pelos
filhos são situações que vão
construir a memória de sabores
e afetos da criança. Essa mesma
memória que o chef italiano
usa para criar seus pratos.
Muitos pais que preferem ir a
restaurantes com os filhos nos
fins de semana o fazem por
considerarem trabalhoso fazer
comida em casa. E não é trabalhoso ir ao restaurante? Certamente é. Envolver os filhos nas
delícias da transformação de
alimentos em comida gostosa
para ser compartilhada é simples e fácil: basta ter coragem e
disponibilidade. O resultado é
visível: as crianças ficam bem
mais tranqüilas e felizes.
Gastronomia e educação têm
muito em comum: ambas exigem paciência e persistência,
dedicação e disponibilidade, rigor, atenção aos detalhes e respeito à tradição, trazendo-a ao
tempo presente.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como
Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@folhasp.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br
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