São Paulo, quinta-feira, 20 de setembro de 2007
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Sinal verde

Segundo estudo inglês, o uso de anticoncepcionais hormonais pode diminuir o risco de vários tipos de câncer; especialistas avaliam benefícios e contra-indicações

Moacyr Lopes Júnior/Folha Imagem
A enfermeira Isabela Granghelli Rodrigues, 26, toma pílula há cinco anos


JULLIANE SILVEIRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

PRISCILA ROSSI
DA REPORTAGEM LOCAL

"Parei de tomar pílula há oito anos, por medo de ter problemas hormonais ou alguma doença no futuro. Cheguei até a ouvir falar em risco de câncer. A própria bula fala de contra-indicações muito chatas, como as varizes. Não pretendo voltar a usar esse método."
Os mais de cem anticoncepcionais à base de hormônio disponíveis no Brasil, segundo dados da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), justificam a quantidade de informações controversas sobre o tema -o que gera uma série de dúvidas como as da administradora Fernanda Silvério Nálio, 35, que deu o depoimento acima.
Mas um dos mais extensos estudos já realizados na área, publicado na semana passada no "British Medical Journal", mostra que não há motivo para tantas preocupações. Especialistas da Universidade de Aberdeen, no Reino Unido, avaliaram, durante 36 anos, 46 mil mulheres. Metade delas usou pílula anticoncepcional no período. Os resultados mostraram que o risco de cânceres ginecológicos em geral era 29% menor nas usuárias do remédio.
No caso de dois tipos de tumor ginecológico, o de ovário e o de endométrio, já se sabia dos benefícios das pílulas na diminuição do risco, mas a pesquisa reforçou as informações: a chance de ocorrência foi 12% menor. Os efeitos são ainda mais fortes em mulheres entre 40 e 60 anos de idade -os resultados mostram que podem se prolongar por anos após a interrupção do uso.
"As pílulas ingeridas pelas mulheres estudadas são antigas e continham doses mais altas de hormônio, mas há evidências em outros estudos de que mesmo os remédios atuais protegem contra câncer de ovário e de endométrio", disse à Folha o autor principal da pesquisa, Philip Hannaford. Hoje, as pílulas mais utilizadas em todo o mundo são as de baixa dosagem hormonal. Especialistas brasileiros acrescentam que esse fármaco oferece ganhos à saúde da mulher.
O benefício mais conhecido, a prevenção do câncer de ovário, está associado ao impedimento da ovulação. "Durante a ovulação, é formado um folículo na superfície do ovário e o óvulo maduro se solta. É nessa região que um tumor pode se desenvolver. Se a mulher não ovula [caso de quem toma pílula], não se expõe a essa situação", explica o oncologista Sérgio Simon, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.
Miomas no útero e câncer do endométrio (parte interna do útero) também surgem com menos freqüência em mulheres que usam algum anticoncepcional hormonal. O ginecologista e especialista em câncer ginecológico Wagner José Gonçalves, coordenador do curso de pós-graduação em ginecologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), afirma que esses tumores podem ser estimulados pela presença dos hormônios sexuais, especialmente do estrogênio. Ao receber os hormônios artificiais da pílula, o organismo entende que não precisa fabricar os naturais e, como a quantidade ingerida é bem inferior à produzida pelo corpo da mulher, cria-se um ambiente de baixo teor hormonal -menos propenso a essas doenças.
A pesquisa traz, ainda, uma novidade: quem toma pílula tem menos câncer de intestino. Tudo indica que é também a presença do estrogênio no anticoncepcional que ajuda na baixa incidência. "O estrogênio do organismo, em grandes quantidades, estimula a multiplicação das células", explica Gonçalves. Ao diminuir a produção de estrogênio orgânico, a pílula desfavoreceria uma multiplicação celular desenfreada, princípio da ocorrência de um tumor. Entretanto, novos estudos deverão ser realizados para que se entenda melhor a ligação entre anticoncepcionais e esse tipo de câncer.
Já em relação ao câncer de mama, maior causa de morte entre mulheres, não foram encontradas, nessa pesquisa, diferenças na incidência em mulheres que usaram ou não o remédio. Hannaford atribui a semelhança de resultados à fase em que o anticoncepcional é usado. "Evidências de outros estudos sugerem que há maior risco desse tipo de câncer durante o consumo da pílula e alguns anos após a parada. Muitas mulheres do grupo de usuárias haviam parado de tomar a pílula há mais tempo, o que pode explicar a baixa associação encontrada em nosso estudo."
Sérgio Simon acrescenta que há outras pesquisas sobre o tema, mas os resultados são contraditórios. Ele diz que, enquanto alguns estudos sugerem um pequeno aumento (de até 8%) na incidência de câncer de mama entre usuárias de pílula, outros mostram incidências menores.
Outros benefícios "Em geral, quando se fala na pílula, só se pensa em sua ação contraceptiva ou nos malefícios que ela pode ocasionar. Mas há benefícios extras que podem ajudar muitas mulheres", diz o ginecologista e obstetra Luciano de Melo Pompei, secretário da comissão de mastologia da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia).
Segundo ele, outros tipos de anticoncepcional hormonal (adesivo, anel vaginal etc.) podem proporcionar os mesmos efeitos que o comprimido. "Não há estudo específico com esses medicamentos, mas a princípio eles trazem os mesmos benefícios."
A enfermeira Isabela Granghelli Rodrigues, 26, que toma pílula há cinco anos, conta que o remédio deixou sua pele mais bonita e acabou com suas cólicas menstruais. "Nunca tive nenhum efeito colateral. Na verdade, depois que eu comecei a usar anticoncepcional, emagreci, não tenho mais cólicas e minha pele melhorou bastante."
Além da melhora do aspecto da pele e do alívio das cólicas, Luciano Pompei também cita que algumas formulações podem auxiliar na melhoria do perfil lipídico da mulher, com diminuição de colesterol, por exemplo.
O anticoncepcional também pode influenciar na diminuição do fluxo menstrual, uma importante ajuda para mulheres com anemia, já que há perda considerável de ferro pelo sangue durante a menstruação. E pode ser receitado para minimizar os efeitos da síndrome dos ovários policísticos: diminuem-se os desagradáveis pêlos em áreas menos comuns e a acne.
Esses medicamentos ainda dificultam a ocorrência de duas doenças que podem causar esterilidade, a endometriose (que causa explusão de partes do endométrio para outras partes do corpo) e a moléstia inflamatória pélvica. Essa última é uma infecção na pelve, causada por bactérias que entram pela vagina e podem chegar às trompas e aos ovários. Quem usa anticoncepcional hormonal tem o muco da vagina mais espesso, o que dificulta a entrada dessas bactérias pelo colo do útero.
É preciso observar, no entanto, que os benefícios dos anticoncepcionais hormonais não se prolongam por muito tempo, ao contrário do que foi observado na relação com a incidência de tumores. Após alguns meses, o organismo volta a trabalhar como antes e os sintomas tendem a reaparecer.
Contra-indicações A pesquisa da Universidade de Aberdeen também observou que o uso por mais de oito anos da pílula pode estar associado à maior incidência de câncer do colo do útero e do sistema nervoso. "Mas o aumento é pequeno e a variação de risco é extremamente grande, o que enfraquece o poder estatístico da pesquisa", esclarece Pompei, da Febrasgo.
Ainda que não haja consenso sobre os malefícios, sabe-se que nem todas as mulheres podem usar hormônios anticoncepcionais. Fumantes, principalmente as que têm mais de 35 anos, não devem usar o método. O risco é de essa combinação ocasionar problemas cardiovasculares (infarto, derrame, trombose, entre outros) e aumento da pressão arterial.
É o caso da "babysitter" Vivian Matheus, 24, com tendência a problemas nos vasos sangüíneos. "Apareceram algumas varizes e, como também sou fumante, o médico pediu para eu parar de usar pílula", conta.
Mulheres com histórico ou propensão a trombose, derrame, AVC (acidente vascular cerebral), doenças nas válvulas cardíacas ou que tenham hipertensão arterial grave também devem evitar o anticoncepcional hormonal. "Para esses casos, pode-se recomendar a pílula só de progesterona, porque é o estrogênio que está ligado a esses eventos. Mas a avaliação é individual", afirma Pompei, da Febrasgo.
O estrogênio, principalmente o sintético, presente nesses medicamentos, aumenta os fatores de coagulação do sangue e, apesar de oferecer pouco risco de maneira isolada, pode agravar esses problemas. Por isso, quem tem varizes e usa pílula deve ficar atenta.


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