São Paulo, quinta-feira, 20 de dezembro de 2001
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foco nela

Missão de Carmen Prudente é atualizada

KÁTIA FERRAZ - FREE-LANCE PARA A FOLHA

Uma experiência pessoal dolorosa transformou a vida da administradora de empresas Liana de Moraes, 45, e está transformando a de pacientes e famílias de pacientes com câncer. Depois de acompanhar de perto o tratamento feito pelo sogro, o empresário José Ermírio de Moraes Filho, morto em decorrência de câncer neste ano, Liana foi convidada a presidir a Rede Feminina de Combate ao Câncer, primeira entidade voluntária do país, fundada por Carmen Prudente. Sua tarefa: renovar o conceito de voluntariado.
Sua mais recente iniciativa, o Centro de Convivência, lançado neste mês, tem o objetivo de humanizar o tratamento dos pacientes, dando-lhes uma perspectiva mais otimista por meio de diferentes atividades, como prática de ioga, por exemplo, e serviços, como cinema e centro de estética. Leia a entrevista abaixo.

Folha - Ao observar de perto o dia-a-dia dos pacientes, o que lhe chamou atenção? Liana de Moraes - Circulava pelos corredores do hospital e pensava em como tornar o tratamento mais humano, de forma a aumentar a auto-estima daqueles que se submetem a este tipo de tratamento. Era um questionamento diário do que eu poderia fazer de concreto. Umas das coisas que observei muito é que, no tratamento de câncer, por ser mais demorado, geralmente o paciente se sente confinado, desmotivado e até mesmo em depressão. Quando tem uma ligeira melhora, o médico sugere um passeio pelo corredor, e o universo passa a ser muito pequeno. Quando estive no Memorial Sloan-Kettering Cancer Center (EUA), fiquei observando procedimentos e ações feitas por voluntários. Vi o Centro de Convivência e me empolguei em trazer a idéia para o Brasil.

Folha - Você foi convidada para renovar a Rede Feminina de Combate ao Câncer. Como é isso na prática?
Liana - O conceito de voluntariado mudou muito nos últimos anos. Hoje em dia, pensamos em reunir pessoas qualificadas para que desempenhem suas funções técnicas. Assim, se vamos construir um edifício, temos o engenheiro e o arquiteto oferecendo sua mão-de-obra. No caso do Centro de Convivência, nós nos aliamos a empresas como Natura, Jacques & Janine, Ikesaki e Cineclick, além de algumas ONGs, para oferecer seus serviços aos pacientes.

Folha - E como é o Centro de Convivência?
Liana - Não é um centro de terapia, é terapêutico. Imagine uma pessoa que passa dois meses seguidos em tratamento e não tem para onde ir, a não ser ficar no corredor. A vida no hospital não pode ser maçante. Tem gente que vem fazer exames e tem de esperar pelo resultado. Oferecendo uma atividade lúdica, podemos chegar mais perto do paciente, conhecer seus medos, suas ansiedades. Não vamos dar apoio ao tratamento, não é o objetivo principal. O paciente tem de se sentir gente. Não temos a intenção de que isso seja parte da cura, mas temos de ir pelo coração. É um processo longo, que exige perseverança. Queremos que o espaço seja também um referencial de informação. Informação é esclarecimento. O médico tem medo de falar, afinal há uma carga de expectativa em cima dele muito grande. Eu senti esse problema.

Folha - Como assim?
Liana - O câncer é uma doença que desperta questionamentos. É preciso alguns esclarecimentos, por isso vamos lançar algumas publicações com informações sobre as terapias, com dicas de alimentação e até mesmo sobre como viver seus últimos dias. O processo terminal é uma passagem clara, mas as pessoas fazem de conta que não está acontecendo nada. O Departamento de Psiquiatria vai oferecer aos pacientes condições de terem uma passagem tranquila.

Folha - De onde veio essa inspiração?
Liana - Vi essas publicações no National Cancer Institute, indicadas pelos médicos do Memorial. Peguei esse material, que passou a ser meu livro de cabeceira na época. Se isso era uma forma de esclarecer os familiares, imaginei o que poderia fazer com o material. Acredito que a informação muda o comportamento.

Folha - Como era a sua relação com dona Carmen Prudente, pioneira na atividade?
Liana - Conheci a dona Carmen por intermédio da minha avó. Sempre a admirei, mas nunca me passou pela cabeça que um dia eu daria continuidade ao trabalho em que ela foi pioneira. É um grande desafio que abracei, tanto que pretendo voltar ao Memorial e a outros hospitais para trazer o que há de mais avançado e preparar as pessoas. Quero trazer o que existe de mais moderno em ações voluntárias, sempre com avaliação do corpo clínico.

Folha - Como foi o primeiro contato dos pacientes com o Centro de Convivência, inaugurado neste mês?
Liana - Logo que inauguramos, teve uma adolescente que desceu ao Centro de Convivência com soro e tudo para ter seu cabelo arrumado por um profissional do Jacques & Janine. Ela ficou tão feliz que, quando subiu, desceram outras garotas, empolgadas com o resultado. Eles tiram uma força não se sabe de onde, e o sorriso em seus rostos, não há preço que pague. Queremos muito que dê certo, mas nada dá certo ao acaso e na moleza, tem de ter muito boa vontade. Vamos mostrar aos descrentes que funciona. Eu acho que oferecer esse diferencial é um processo inevitável e irreversível nos hospitais. Um paciente feliz se recupera mais rápido.


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