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Outras idéias - Wilson Jacob Filho
Não basta ter
Geralmente definimos
competências baseados no que temos.
Bens materiais, conhecimentos e aptidões são
comparados entre pessoas ou
entre diferentes fases de cada
pessoa para definir quem está
em melhor posição.
Nada contra essa forma de
avaliação, mas, em muitas situações, ela não basta. Entre os
que anseiam insistentemente
adquirir condições funcionais
que nunca tiveram, quantos definiram objetivamente o que farão quando as conquistarem?
Poucos, certamente.
Verifico constantemente reclamações de quem gostaria de
ter algo a mais em sua saúde.
Queixam-se das deficiências e
querem eliminá-las. Todos
querem algo a mais. A maioria,
porém, não usa o que tem e valoriza o que não tem. E dá mais
valor ao ter do que ao usar.
É nesse ponto que questiono
a ordem natural das prioridades. Qual o benefício de pernas
fortes e ágeis se não há interesse em desfrutar de longas e
agradáveis caminhadas? O
mesmo se pode perguntar a
quem deseja ter visão e audição
plenas sem se interessar por
usá-las em boa leitura, música,
pintura ou trabalhos manuais.
Saúde não é um bem que se
possa armazenar e usar quando
for conveniente. Trata-se de
uma condição cumulativa, que
depende do uso de cada função.
Assim, forma-se um moto-contínuo, em que a aptidão permite o uso, que implementa a aptidão. E isso não se restringe às
condições biomecânicas. Aplica-se também às propriedades
emocionais e sociais.
Quanto maiores o uso das
emoções e o exercício da cidadania, maior a inserção social.
Isso pode ser exemplificado em
um tema que assume, neste
momento, especial importância. Todos com mais de 70 anos
viveram tempos difíceis no
Brasil. Direta ou indiretamente, foram responsáveis por
muitas conquistas. Lutaram
pelo direito ao voto e pela restauração de um regime democrático.
Surpreendentemente,
porém, por não serem mais
obrigados a votar, excluem-se
de manifestar sua opinião, assumindo uma condição passiva
no processo eleitoral.
Quiseram ter, mas não se
preocupam em usar. Com isso,
não são alvo de programas políticos, além dos paternalistas,
excludentes ou depreciativos.
E não assumem seu papel como
a população que mais cresce no
mundo atual.
Faço, pois, não apenas um
pedido mas uma convocação. A
luta por condições funcionais e
por direitos equivalentes para
as diferentes faixas etárias exige uma participação ativa em
todos os seus processos.
Senhoras e senhores, não
basta ter. Há que usar o direito
de opinar.
[...] Todos querem algo a mais;
a maioria, porém, não usa o
que tem e valoriza o que não tem
WILSON JACOB FILHO, professor da Faculdade
de Medicina da USP e diretor do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas (SP), é autor de
"Atividade Física e Envelhecimento Saudável"
(ed. Atheneu)
wiljac@usp.br
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