São Paulo, quinta-feira, 21 de setembro de 2006
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Outras idéias - Wilson Jacob Filho

Não basta ter

Geralmente definimos competências baseados no que temos. Bens materiais, conhecimentos e aptidões são comparados entre pessoas ou entre diferentes fases de cada pessoa para definir quem está em melhor posição.
Nada contra essa forma de avaliação, mas, em muitas situações, ela não basta. Entre os que anseiam insistentemente adquirir condições funcionais que nunca tiveram, quantos definiram objetivamente o que farão quando as conquistarem? Poucos, certamente.
Verifico constantemente reclamações de quem gostaria de ter algo a mais em sua saúde. Queixam-se das deficiências e querem eliminá-las. Todos querem algo a mais. A maioria, porém, não usa o que tem e valoriza o que não tem. E dá mais valor ao ter do que ao usar.
É nesse ponto que questiono a ordem natural das prioridades. Qual o benefício de pernas fortes e ágeis se não há interesse em desfrutar de longas e agradáveis caminhadas? O mesmo se pode perguntar a quem deseja ter visão e audição plenas sem se interessar por usá-las em boa leitura, música, pintura ou trabalhos manuais.
Saúde não é um bem que se possa armazenar e usar quando for conveniente. Trata-se de uma condição cumulativa, que depende do uso de cada função.
Assim, forma-se um moto-contínuo, em que a aptidão permite o uso, que implementa a aptidão. E isso não se restringe às condições biomecânicas. Aplica-se também às propriedades emocionais e sociais.
Quanto maiores o uso das emoções e o exercício da cidadania, maior a inserção social. Isso pode ser exemplificado em um tema que assume, neste momento, especial importância. Todos com mais de 70 anos viveram tempos difíceis no Brasil. Direta ou indiretamente, foram responsáveis por muitas conquistas. Lutaram pelo direito ao voto e pela restauração de um regime democrático.
Surpreendentemente, porém, por não serem mais obrigados a votar, excluem-se de manifestar sua opinião, assumindo uma condição passiva no processo eleitoral.
Quiseram ter, mas não se preocupam em usar. Com isso, não são alvo de programas políticos, além dos paternalistas, excludentes ou depreciativos.
E não assumem seu papel como a população que mais cresce no mundo atual.
Faço, pois, não apenas um pedido mas uma convocação. A luta por condições funcionais e por direitos equivalentes para as diferentes faixas etárias exige uma participação ativa em todos os seus processos.
Senhoras e senhores, não basta ter. Há que usar o direito de opinar.

[...] Todos querem algo a mais; a maioria, porém, não usa o que tem e valoriza o que não tem


WILSON JACOB FILHO, professor da Faculdade de Medicina da USP e diretor do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas (SP), é autor de "Atividade Física e Envelhecimento Saudável" (ed. Atheneu)
wiljac@usp.br


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