São Paulo, quinta-feira, 21 de setembro de 2006
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estética

Tratamento gasoso

Novidade no combate à celulite e à gordura localizada, a carboxiterapia (injeção de gás carbônico puro sob a pele para melhorar a oxigenação dos tecidos e a circulação sangüínea) divide especialistas

IARA BIDERMAN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

"Sou pequena e não sou gorda, mas tenho um culote considerável." Com essa autodescrição, a profissional de marketing Karen Lopes, 30, explica o que a fez experimentar a última novidade em tratamentos para celulite e gordura localizada, a carboxiterapia. Karen, que já se submetia a outros procedimentos da medicina estética para reduzir medidas, conta que, quando a nova técnica chegou à clínica que freqüenta, resolveu testar. "Adorei", diz ela, que calcula ter perdido cerca de dez centímetros na região do quadril após aproximadamente 15 sessões.
A carboxiterapia consiste na injeção de gás carbônico puro sob a pele, o que, segundo os adeptos da técnica, melhora a oxigenação dos tecidos e a circulação sangüínea. "O organismo tem mecanismos para equilibrar o volume de oxigênio e gás carbônico na circulação. Se injetamos CO2 em determinado local, esse mecanismo recebe a mensagem de enviar mais O2 para o local, dilatando as veias e melhorando o fluxo sangüíneo e a quantidade de oxigênio na região", explica Viviana Brant de Carvalho, fisioterapeuta da clínica de medicina estética e terapêutica Thyfere.
A tese é que, ao melhorar a circulação, a carboxiterapia favorece a eliminação das toxinas e do líquido retido sob a pele (causas da celulite) e facilita a quebra das moléculas de gordura. Além disso, ao insuflar o gás sob a epiderme, provoca-se uma irritação do tecido, o que estimula a produção de elastina e colágeno e pode diminuir a flacidez. "A carboxiterapia revolucionou o tratamento da flacidez porque apresenta resultados em locais onde as outras técnicas não funcionam bem, como a parte interna da coxa ou a região do tríceps", afirma Wilmar Jorge Accursio, diretor da Sociedade Brasileira de Medicina Estética -especialidade não reconhecida oficialmente pelo CFM (Conselho Federal de Medicina).
Esse suposto efeito estimulador da produção de colágeno amplia as indicações do tratamento, segundo Accursio. Marcas de estrias podem ser atenuadas e a flacidez nas pálpebras e o "bigode chinês" (o sulco naso-geniano, que vai da aba do nariz aos lábios) podem diminuir com as injeções de gás, também de acordo com Accursio. A descrição dos efeitos em pacientes que já testaram o método na face é bastante subjetiva: "É ótimo, rejuvenesce e dá uma levantada na expressão", conta a secretária Gisleine Gabriel, 52, que se submeteu a 12 sessões de agulhadas no rosto.
Accursio vai mais longe em sua promoção da técnica. "Por mecanismos que ainda não estão claros, a carboxiterapia regula a produção das placas de queratina na pele, melhorando quadros de psoríase, nos quais há excesso de produção de queratina", afirma.
Para Cid Yazigi Sabbag, diretor do Centro Brasileiro de Psoríase, há uma contradição nessa indicação. "Se a carboxiterapia estimula a regeneração dos tecidos, como pode ser usada para tratar psoríase, que se caracteriza pela hiperproliferação das células da pele?", questiona Sabbag. Ele acrescenta que o trauma físico na pele pode levar à manifestação da doença no local e pergunta: "Será que a agulha e a picada não farão aparecer uma nova lesão de psoríase?". Sabbag acredita que o próprio fato de haver "tantas indicações, tão diferentes umas das outras, já faz pensar que há algo de errado com a técnica".
Ele não está sozinho em sua desconfiança. A SBD (Sociedade Brasileira de Dermatologia) não respalda a carboxiterapia. "Ainda não há evidência científica suficiente para justificar esses usos da técnica", diz Artur Duarte, presidente da SBD -regional São Paulo.

Possíveis riscos
A carboxiterapia é uma técnica invasiva, pois o gás carbônico é aplicado nas camadas mais profundas da pele por meio de agulhas finíssimas. Os adeptos da carboxiterapia, porém, afirmam que ela não oferece riscos, já que o gás carbônico utilizado é estéril e não provoca alergias, como pode ocorrer com os medicamentos.
Duarte discorda: "Pode haver risco, sim. Como o gás é injetado dentro do tecido subcutâneo, pode entrar na circulação e causar embolia gasosa, uma bolha de ar na artéria ou na veia, e até levar a um derrame".
Se injetado em quantidade excessiva, o gás carbônico também pode provocar uma reação chamada acidose, que diminui o Ph do organismo prejudicando as reações químicas metabólicas, diz a fisioterapeuta Carvalho, que utiliza a carboxiteria em sua clínica. Para ela, esse risco só existe se as aplicações forem feitas por profissionais não qualificados.
"Paciente não é cobaia", alerta Solange Pistori Teixeira, mestre em dermatologia pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Ela reforça o fato de não haver embasamento científico para usar a técnica com segurança. "Quando se fala de CO2 injetável, o uso estabelecido é para laparoscopia e alguns outros exames de imagem, nos quais o gás carbônico é usado como contraste. Sabe-se que o risco é pequeno, mas que podem ocorrer complicações, como a embolia gasosa."

Coro das contentes
Mesmo com todas essas objeções, os médicos que não aprovam a técnica sabem da atração causada pela novidade. "Quadros como celulite e flacidez são difíceis de tratar, às vezes o paciente já fez de tudo e vai querer tentar algo novo", afirma Teixeira. Há também amostras de bons resultados, mas a dermatologista acredita que são casos isolados. Até agora, não foram feitas pesquisas controladas e há a possibilidade de os efeitos serem apenas temporários. "Em alguns anos, se forem feitos estudos consistentes, talvez eu mude de opinião, mas hoje o método é controverso, e eu não vou usar."
Do outro lado, o coro das contentes, que testaram e aprovaram o método, incentiva a propaganda da carboxiterapia. A apresentadora de TV Cuca Lazzarotto, 37, é uma que comemora as dez sessões a que se submeteu. "Acho que sumiram uns nove centímetros de abdômen e uns sete de culote. Ganhei meu guarda-roupa de volta." E não dói? "Dói um pouco, mas é suportável, e o resultado vale a dor", garante Lazzarotto.
O que também precisa ser levado em conta antes de afirmar a eficácia da técnica é que, normalmente, ela é associada a outros métodos. No caso de Lazzarotto, as aplicações de gás carbônico são alternadas com sessões de endermologia, e a apresentadora segue um programa de dieta e ginástica.
Os dez centímetros a menos no quadril de Karen Lopes tampouco podem ser creditados exclusivamente à carboxiterapia. Ela conta que, no começo do tratamento, utilizava apenas essa técnica e já pôde perceber alguma melhora. Os maiores resultados, porém, apareceram nas duas semanas em que Lopes fez um esforço concentrado para entrar em forma antes de comemorar o seu aniversário, no início deste mês. "Fechei a boca, comecei a fazer exercícios e continuei com a carboxiterapia."
Com dieta e atividade física, não é nenhum milagre Lopes ter perdido medidas. Se a carboxiterapia foi decisiva ou só serviu de estímulo para ela adotar hábitos que favorecem a forma física e a saúde, só as pesquisas futuras dirão.

[+] Se injetado em quantidade excessiva, o gás carbônico pode provocar uma reação chamada acidose, que diminui o Ph do organismo prejudicando as reações químicas metabólicas , segundo a fisioterapeuta Viviana Brant de Carvalho


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