São Paulo, quinta-feira, 22 de fevereiro de 2001
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Copacabana faz toda a diferença

Clima ameno, facilidade de locomoção e a grande oferta de serviços transforma o bairro carioca no paraíso dos mais velhos

Roberto Price/Folha Imagem
No Clube Cultural e Recreativo Posto 6, onde é proibida a entrada de menores de 40 anos, idosos se reúnem para jogar xadrez, gamão e baralho




CIÇA GUEDES - FREE-LANCE PARA A FOLHA

Se a fórmula da juventude eterna ainda não foi descoberta, pelo menos o caminho para uma vida longa e saudável já está ao alcance de todos. Copacabana, o bairro com maior concentração de idosos do Brasil, tem muito a ensinar no quesito qualidade de vida na velhice. Para quem já está nessa fase da vida e para quem quer se preparar para ela, escolhendo a melhor cidade para envelhecer. Afinal os idosos do futuro já nasceram.
Copacabana é um laboratório a céu aberto: a população envelheceu com o bairro, um dos mais novos do Rio de Janeiro, surgido no final do século 19, e fez da Princesinha do Mar um lugar próximo do ideal para quem já contabiliza mais de seis décadas de vida. Os moradores -homens e mulheres-com mais de 60 anos de idade somam 40.002 pessoas, quase 26% da população do bairro, de 155.832 pessoas. Com 70 anos ou mais, são 20.830 pessoas, 13% dos residentes. O Rio é ainda o campeão entre as unidades da Federação com o maior contingente de idosos em relação à população total: 10%, segundo dados do IBGE de 1996. Os números do último recenseamento, que está sendo finalizado, devem confirmar essa posição. E a ciência também confirma que a longevidade depende da interação entre meio ambiente, genética e qualidade de vida. O local onde as pessoas moram tem grande importância para essa qualidade. "Portanto morar em Copacabana, assim como em outros lugares que estimulem a adoção de hábitos mais saudáveis, contribui para prolongar a vida", diz a geriatra e gerontóloga Elizabete Viana de Freitas, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia.

Delivery
Em termos de infra-estrutu- ra, o bairro carioca é feito sob medida para os idosos. É a terra das entregas em domicílio. A moda começou no final dos anos 70 e hoje está disponível nas 41 drogarias e farmácias de manipulação do bairro, nos restaurantes e em praticamente todos os serviços.
Além da comodidade, evita que os mais velhos se exponham à violência comum nas grandes cidades, principalmente à noite.
Maurício Pereira, gerente do La Mole de Copacabana - restaurante de classe média muito popular no Rio, com 12 unidades na cidade -, diz que faz 50 entregas em casa por noite, em média. Na unidade de Vila Isabel (zona norte), por exemplo, são feitos cerca de 20 pedidos de delivery a cada noite.
De acordo com a Associação Comercial de Copacabana, é lá que o carioca se depara com a maior oferta de serviços da cidade. Ainda é possível encontrar cerzideira e faz-tudo, como a dona Rita, instalada em uma pequena loja há mais de 20 anos na galeria Ritz (av. Nossa Senhora de Copacabana, 610). Lá também resistem os bons sapateiros, como o que fica na antiga lojinha da rua Bolivar com a rua Leopoldo Miguez e que nem placa tem.
"Os 4,5 km de orla, margeados pelo calçadão e pela ciclovia, são um espaço perfeito para as pessoas idosas. Lá tem tudo, até uma estação de metrô, e, em pouco tempo, o bairro vai ganhar outra. É por isso que a população envelheceu com o bairro. Quem mora lá não quer sair de jeito nenhum." A declaração é do professor de história do Rio de Janeiro Milton Teixeira, 42. Uma de suas principais atividades: dar aulas para grupos de idosos! E grupos, que fazem as várias e pequenas praças de ponto de encontro, é o que não falta ao bairro. Uma das associações mais fervilhantes existe há 33 anos, conta com 300 associados e reúne idosos o dia todo, das 8h às 23h. É o Clube Cultural e Recreativo Posto 6, mais conhecido como Clube da Terceira Idade. Funciona numa tenda montada num dos pontos mais valorizados do bairro -no Posto 6, de cara para a praia, num espaço conquistado na marra e que os prefeitos não se atrevem a remover. Oferece jogos de xadrez, gamão e cartas.

Jovem não entra
Garotos até 40 anos não são bem-vindos, pois o local é reservado à concentração. "As pessoas jovens gostam de bagunça, agitação, se notamos que está entrando alguém jovem demais, educadamente damos um jeito de colocá-lo para fora", diz o presidente do clube, Eulício Carvalho, 71. Antonieta Lopes de Matos, 82, é a prefeita de outro tradicional ponto de encontro, a praça do Lido. "Prefeita é mais apelido do que cargo, não ganho nada", diz ela, que mora em Copacabana desde 1950. Antonieta adora o bairro e acha que ali os idosos têm carinho, atenção e respeito, o que lhes garante mais qualidade de vida. Casada com um "rapaz um pouco mais novo", de 67, ela decidiu trabalhar para ajudar velhos, crianças e vítimas da Aids há dez anos, depois que um infarto a deixou em coma por cinco dias. "Quando acordei prometi que, se não ficasse com sequelas, ajudaria os outros. E estou cumprindo com a maior felicidade, porque eu amo viver, estar com as pessoas é uma alegria sem fim".

Corpo em movimento
Além de evitar a solidão, outra velha moradora de Copa, Célia Silva Duque Costa, 80, sabe que mexer o corpo também é fundamental para garantir a saúde do físico e da mente. "Faço biodança, ginástica localizada, aeróbica e alongamento. Também caminho no calçadão da praia e cuido da alimentação", enumera a professora aposentada. Célia pratica a maioria das atividades de graça, nos grupos de idosos que frequenta, mantidos pela prefeitura, por universidades e ONGs (leia entrevista na página 12). Já o morador que dispõe de renda de sobra ou filho para ajudar tem à disposição no bairro uma clínica de medicina do exercício, espécie de academia de ginástica para a terceira idade. A clínica possui esteiras, bicicletas ergométricas e outros aparelhos comuns aos templos da boa forma. Mas os cuidados com os alunos, que inclui monitoramento durante os exercícios feito por médicos, são desenvolvidos principalmente para idosos com doenças crônico-degenerativas. "Nosso público são as pessoas com mais de 55 anos que não usaram bem sua "máquina", o corpo, quando jovens. Tenho um paciente de 87 anos e vários com idade em torno de 70 que nunca haviam se exercitado na vida. Uma paciente de 72 anos, empolgada com a malhação, me pediu uma série de exercícios para enrijecer o bumbum. Exercícios também são vitais para manter o alto-astral", diz o médico e dono da clínica Cláudio Gil de Araújo.

Cidadania
Mas a velhice saudável não depende só de cuidados com a alimentação, exercícios e investimentos no bem-estar psíquico. Conquistar a cidadania é parte fundamental desse processo. "Qualidade de vida não é um conceito individual. O idoso deve fazer investimentos em si próprio, mas também precisa garantir que o meio em que vive lhe ofereça as condições necessárias para obtenção de qualidade de vida", diz a gerontóloga Ligia Py.
E os velhinhos de Copacabana têm muito a ensinar aos seus pares também nesse quesito.
"Eles estão diariamente aqui na Região Administrativa. Reivindicam, argumentam, são ótimos", conta o administrador regional do bairro, Mário Filippo Junior. Surpresos também ficam os idosos que chegam lá para pleitear principalmente melhoria nas praças públicas: o administrador da maior concentração de idosos do país tem apenas 23 anos.
"Descobri, em pouco mais de um mês de trabalho, que tenho pelo menos uma coisa em comum com os idosos. Assim como eles precisam provar o tempo todo para a sociedade que são produtivos, experientes e que podem colocar sua sabedoria a serviço dela, eu também preciso provar o tempo todo que, apesar de muito jovem, sou uma pessoa capaz e posso fazer um bom trabalho aqui, em Copacabana."
No jargão dos cientistas, isso se chama troca intergeracional, um dos fenômenos altamente positivos gerados pela longevidade. Talvez seja a junção da sabedoria dos idosos com o vigor da juventude que poderá legar aos velhinhos do amanhã um mundo melhor neste terceiro milênio.


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