São Paulo, quinta-feira, 22 de fevereiro de 2001
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Dieta do Mediterrâneo é invenção dos deuses

Com um cardápio à base de frutas, legumes, verduras, massas e peixes, povos de países como Itália e Grécia vivem mais e melhor

A dieta do Mediterrâneo parece criação de Dionísio. Só um filho de Zeus e deus do vinho conseguiria unir ingredientes de sabor e aroma intensos que também são saudáveis e ricos em nutrientes. Melhor para os povos dos 17 países debruçados sobre o mar Mediterrâneo, como Grécia, Espanha, Itália ou Marrocos, que, além de viverem mais porque têm menor incidência de vários tipos de câncer, degustam diariamente receitas saborosas à base de frutas, legumes, verduras, massas e frutos do mar. Tudo isso regado a suco de uva fermentado e de azeitona - nossos conhecidos vinho e azeite de oliva. Maurizzio Longobardi, 39, é um desses italianos que goza de saúde impecável graças à boa alimentação. Há um ano e meio, ele divide as delícias da gastronomia mediterrânea com clientes brasileiros no restaurante Grazie a Dio, na Vila Madalena (SP), do qual é sócio. "Meu interesse pela culinária é genético. Nós tratamos a gastronomia como uma questão cultural. E a culinária do Mediterrâneo é muito natural e fácil de ser preparada", afirma o milanês que vive no Brasil há dez anos. Outra vantagem que ajuda a explicar a popularidade da dieta desses povos é o fato de ser facilmente adaptável às regiões mais distintas do planeta. No Grazie a Dio, verduras, legumes, frutos do mar e massas tipicamente italianas, preparadas sem ovos e com trigo duro, formam a base do menu. "O azeite de oliva é indispensável. Uso sempre os italianos ou gregos porque são os melhores", indica Longobardi. Os benefícios e as delícias da culinária mediterrânea foram descobertos na década de 60 e voltaram a chamar a atenção no final dos anos 90. A colunista da Folha Nina Horta, que esteve em Londres há poucas semanas, conta que lá a comida da moda é inspirada na dieta mediterrânea. "Ela está em quase todos os menus porque os ingleses acreditam que faz muito bem à saúde. No Brasil, os chefs modernos também aderiram à dieta do Mediterrâneo. Usa-se muita berinjela, tomate seco, azeite de oliva, mussarela de búfala e grelhados", diz.

Adaptações
Reproduzir com exatidão a dieta mediterrânea não é possível nem adequado. Mas dá para adaptá-la à mesa do brasileiro. "O principal ingrediente da dieta do Mediterrâneo é o bom senso: pode-se comer de tudo, sem exageros", afirma Jocelem Salgado, pesquisadora em nutrição da Esalq-USP.
Ela dá três pistas importantes que ajudam a entender por que os povos mediterrâneos gozam de boa saúde. "Eles consomem diariamente legumes, frutas e verduras ricas em antioxidantes que retardam o envelhecimento. E comem menos açúcar e alimentos com conservantes porque a região em que vivem foi menos influenciada pela marcha tecnológica do que o resto da Europa", explica.
Para Salgado, a vida sedentária e estres sante das grandes cidades brasileiras seria mais saudável se a população incorporasse o lazer e a atividade física ao cotidiano, a exemplo dos povos mediterrâneos. "Essas atividades estimulam a produção de enzimas e endorfinas que dão prazer, alegria e tiram um pouco o apetite", diz Salgado.
Para os especialistas, até hábitos aparentemente banais como fazer compras influenciam na longevidade dos mediterrâneos. "Eles não fazem compras como a gente, que vai ao supermercado uma vez por semana e faz disso um processo desgastante. Eles compram diariamente os alimentos para as refeições do dia. A saída para compras é até um exercício", explica a professora Elizabeth Torres, do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP.
Para ela, a base da dieta dos povos dos países banhados pelo mar Mediterrâneo é semelhante a dos brasileiros, o que facilita na hora de fazer as adaptações. "A base da dieta deles e da nossa é a mesma: carboidratos e cereais. Depois, assim como na nossa, vêm frutas, hortaliças e leguminosas."
Diferentemente do brasileiro, porém, eles consomem muito azeite de oliva e produtos lácteos como queijos e iogurtes, embora bebam pouquíssimo leite. Também comem muito pescado, pouco frango e menor quantidade ainda de carne vermelha. E bebem vinho tinto diariamente, além de dar muita importância ao lazer.
"Eles não têm planícies para criar gado. Por isso o leite geralmente é de cabra, e o consumo de carne vermelha é pequeno, limitando-se ao cordeiro. Eles abusam do azeite de oliva porque, na região, as oliveiras são tão abundantes quanto a soja é no Brasil", diz Torres.
Ao comparar a dieta de brasileiros e mediterrâneos, a nutricionista aponta que, embora o brasileiro tenha bons hábitos alimentares, ele exagera no consumo de açúcar, frituras e carne vermelha. Outro problema apontado por Torres é que, por preguiça ou falta de tempo, os brasileiros preferem comer doces e produtos industrializados em vez de frutas e verduras, consumindo sal e ácido em excesso. Afinal, o Mediterrâneo não é aqui.


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