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Projeto social ajuda a superar período de luto
Jefferson Coppola/Folha Imagem
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Michel Heibut, que foi atingido por bala perdida, está na ONG Sou da Paz |
Vítimas de traumas profundos tentam afastar o sofrimento e ajudar outros na mesma situação
MARIA FERNANDA GONÇALVES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Na contramão de reações como revolta, culpa e insegurança, comuns a quem passa por um período de
luto, após a morte de um filho ou um episódio de violência, por exemplo, há quem responda a grandes traumas
de maneira improvável: levantando bandeiras por mudanças e convivendo intimamente com o motivo do seu
sofrimento.
Foi assim com a psicóloga carioca Cleyde Prado Maia, 46, que há um ano e três meses abandonou suas atividades profissionais e se dedica exclusivamente a coletar um milhão de assinaturas, via internet, para dar respaldo à aprovação
de um projeto de lei que modifique a legislação
penal. Entre as mudanças propostas, estão a que
estipula que o condenado seja obrigado a trabalhar para ter direito a benefícios e a que impede
que o condenado por crime hediondo recorra da
sentença em liberdade.
Em março de 2003, a psicóloga perdeu sua filha única, atingida aos 14 anos por uma bala perdida no metrô da Tijuca (RJ), durante troca de tiros entre assaltantes e a polícia. "Não tenho mais
minha filha, que me dava orgulho, mas digo que
transformei minha dor em luta. Queria ser um
tijolinho na luta contra a violência", diz a fundadora do movimento Gabriela Sou da Paz
(www.gabrielasoudapaz.org).
Segundo o psiquiatra Eduardo Ferreira Santos, supervisor do serviço de psicoterapia do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas
(IPQ-HC), "transformar a perda, a angústia e o
sentimento de impotência decorrentes de um
trauma em uma situação social útil é um dos
mecanismos de defesa mais saudáveis". Ele explica que as vítimas de traumas que levantam
bandeiras ou se engajam em movimentos de
grupos estão à procura de soluções para lidar
com a sua impotência diante da perda.
Ter sido vítima da violência urbana foi determinante para que o estudante de ciências da
computação Michel Heilbut, 23, se integrasse ao
Instituto Sou da Paz (www.soudapaz.org.br)
-organização paulista que trabalha na promoção de políticas públicas de segurança pelo desarmamento, entre outros pontos, e não tem ligação com o movimento Gabriela Sou da Paz.
Heilbut foi atingido no rosto por uma bala perdida ao passar perto de um posto de gasolina na
Cidade Jardim, bairro paulistano de classe média alta, onde acontecia uma troca de tiros entre
assaltantes e seguranças. Não teve seqüelas físicas, mas passou por duas cirurgias de reconstrução facial e da arcada dentária.
"A violência está mais perto do que imaginamos. É importante as pessoas terem consciência
disso e pressionarem os políticos para mudar essa situação", diz o estudante, que ajuda na montagem do site da organização, mas pretende se
dedicar mais ao instituto a partir dos próximos
meses, quando passa a integrar um grupo mais
restrito, que se reúne mensalmente para discutir
conquistas e desafios da organização.
A terapeuta corporal Maria Júlia Miele, 37,
transformou em livro a experiência dos 14 meses
passados na Unidade de Terapia Intensiva (UTI)
com a filha recém-nascida. "Mãe de UTI - Amor
Incondicional" será lançado em agosto (ed. Terceiro Nome) e registra em forma de diário as angústias da mãe, que perdeu a filha em julho de
2002, depois de o bebê ter feito duas cirurgias
para corrigir uma má formação do coração.
"Eu via o desamparo e o tamanho da solidão,
especialmente das mães, que não estavam preparadas para receber informações impossíveis
de assimilar", diz a terapeuta, que conta desde
então com acompanhamento psicológico. "Tenho períodos de raiva e tristeza, mas sei que, se
não há continuação, pode haver um recomeço."
A saída para o recomeço foi a criação, em maio
deste ano, do Gahmpi - Grupo de Apoio Humano a Mães e Pais Intensivistas (gahmpi@uol.com.br) -um pólo de integração para
que as pessoas troquem suas experiências. "Informações médicas podem ser conseguidas com
pesquisa, mas nada como poder conversar com
outras mães e pais que tiveram um problema
igualzinho ao seu. Isso fortalece os pares", diz.
Para montar essa rede de contatos, está sendo
construída uma página virtual que deverá entrar
no ar no próximo mês. No site, haverá depoimentos de pais e mães, informações sobre a importância do aleitamento materno na UTI e sobre cirurgias em bebês prematuros.
O Gahmpi também está criando convênios
com hospitais para oferecer apoio psicológico a
mães e pais intensivistas e a profissionais da saúde, além de uma rede de 50 massagistas. Miele,
que também é massagista, lembra que o fato de a
mãe receber um carinho e voltar-se para ela própria é um grande alento. "Ela lembra que também é um indivíduo, um ser humano; chora e
coloca sua tensão para fora."
O psiquiatra do Ambulatório de Ansiedade do
Instituto de Psiquiatria do HC Luiz Vicente Figueira de Mello alerta para problemas graves
que podem acometer vítimas que não conseguem superar o trauma. Segundo ele, pesquisas
internacionais apontam que cerca de 5% das vítimas de traumas desenvolvem transtorno de estresse pós-traumático (Tept). Alguns dos sintomas desse transtorno são flashbacks (imagens
do trauma que surgem espontaneamente), pesadelos, depressão, isolamento e sentimento de incompreensão, além de agressividade, impulsividade, irritabilidade, angústia e medos. "Se forem
observados os sintomas, é importante que haja
uma avaliação psicológica e/ou psiquiátrica, já
que o transtorno provoca um prejuízo importante na vida da pessoa", alerta o psiquiatra.
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