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Rosely Sayão
Educação por dinheiro
Um leitor, certa vez,
contestou meu costume de repetir à
exaustão que considero o ato de educar tarefa bastante árdua. Pediatra, ele disse
que esse conceito poderia deixar pais e professores intimidados com sua função educativa e,
dessa maneira, inibir ainda
mais suas já tímidas atuações.
Devo dizer que dialoguei com
essa oposição por muito tempo.
Será que apontar um trabalho
como árduo poderia fazer as
pessoas desistirem dele em vez
de o tomarem como desafio?
Ainda não me convenci de
que não é produtivo dizer aos
pais e professores que educar é
tarefa árdua, pois ela o é. Podemos constatar, entretanto, que
os educadores, de um modo geral, não acreditam que os mais
novos possam criar um desafio
frente a exigências rigorosas.
Foi nisso que pensei quando
li recentemente uma notícia
sobre alunos de uma faculdade
paulista que receberam a promessa de um prêmio econômico em troca do comparecimento e de boas notas no Enade.
Não fiquei muito espantada
com o fato, para falar a verdade.
Já faz tempo que tenho conhecimento da oferta de pequenos
prêmios a universitários em
troca de sua dedicação aos estudos. Uma professora, por
exemplo, contou que leva bombom de chocolate para dar aos
alunos que fizerem os exercícios propostos em aula; outra
tem levado pastilhas aos alunos
que ficam com sono e dormem
durante a exibição de vídeos da
matéria que leciona. Por que a
oferta de prêmio em dinheiro
seria diferente disso?
O fato é que essa prática pode
evidenciar que não estamos
convencidos de que os mais novos queiram, possam e devam
empregar altas doses de esforço e energia a não ser em algo
que lhes dê prazer imediato.
Não temos convicção de que
eles possam descobrir algum
prazer no trajeto da empreitada. Não admitimos que eles tenham condição para tanto.
Pode ser que a adoção dessa
prática nada tenha a ver com
crianças e jovens, mas com os
próprios educadores. Talvez
eles não acreditem na potência
do ato educativo, não confiem
em sua capacidade de mediar
positivamente a relação de
quem aprende com a aprendizagem, não se vejam capazes de
provocar desafios.
De qualquer modo, deixamos
de exigir dos mais novos e passamos a querer comprar suas
atitudes. Pais e professores fazem o mesmo, com filhos e alunos de todas as idades, não apenas os universitários.
Vamos fazer uma breve retrospectiva: pais cujos filhos estão próximos do exame vestibular oferecem prêmios -não
raro um carro ou uma viagem
ao exterior- para que eles se
dediquem aos estudos e entrem
numa boa faculdade. Filhos
menores sempre podem ganhar um dinheirinho ou um
presente para dar conta de
obrigações familiares e/ou domésticas, como levar o cachorro para passear ou arrumar a
cama. Crianças na primeira infância recebem prêmios por
"bom comportamento" etc.
Há uma semana falamos sobre atos entre crianças que, no
mundo adulto, chamamos de
corrupção. Nesse caso, fazem
falta a educação e o acompanhamento. Hoje, tratamos de
adultos que corrompem os
mais novos com ofertas materiais em troca de determinação,
dedicação e esforço. Seria falta
de quê, neste caso?
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como
Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@folhasp.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br
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