São Paulo, quinta-feira, 23 de novembro de 2006
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S.O.S. família - Rosely Sayão

Recuperação e reprovação

Neste período do ano, muitas crianças e muitos adolescentes enfrentam dissabores em casa. É que os pais já sabem se os filhos irão para recuperação escolar ou se repetirão o ano. E essa notícia provoca reações emocionais intensas.
No caso de alunos que irão para recuperação, muitos pais decidem agir na tentativa de salvar o ano do filho e saem em busca de socorro pedagógico. Mas será que eles querem mesmo ajudar o filho? Pelas atitudes tomadas, parece que não.
Eles querem é evitar a reprovação, custe o que custar. Alguns professores que dão aulas particulares -e que ficam sobrecarregados de trabalho nos últimos meses do ano- informam que o pedido dos pais é simples: que o filho passe de ano. E mais: quase todos mencionam o valor alto da mensalidade das escolas. Já no caso de pais que tiveram a notícia de que o filho irá repetir o ano, as reações são bem mais radicais. Muitos aplicam algum tipo de punição: o filho perde o direito de viajar, recebe a notícia de que não ganhará determinado presente, fica proibido de jogar videogame e de acessar a internet, perde a mesada, não pode sair no final de semana etc. Tudo isso acompanhado de muita reclamação e de um descontentamento visível que acaba por criar uma barreira entre os pais e seus filhos e até entre estes e sua relação com os estudos.
A primeira coisa que os pais precisam saber é que, do modo como a escola funciona hoje, o desempenho escolar dos alunos tem pouca relação com o aprendizado adquirido. As instituições escolares ficaram tão viciadas no tipo de avaliação que fazem que boa parte dos alunos, assim que consegue apreender a gramática da escola, responde a ela, tão somente.
Desse modo, as notas estão mais ligadas à relação dos alunos com a instituição escolar do que ao conhecimento. Assim, um aluno que passa o ano com boa avaliação pode não sinalizar nada mais do que simplesmente ter conseguido cumprir a tarefa de não ficar retido e a de ter bons resultados nas avaliações. Isso significa que muitos alunos que serão aprovados não conseguiram, necessariamente, construir um sentido para o ato intelectual de aprender nem uma relação de gosto pelo conhecimento.
Já os alunos que farão recuperação ou repetirão o ano podem só mostrar as falhas da escola no ensino e na organização ou a dificuldade que eles mesmos tiveram em focar sua atenção no estudo e em dar um sentido ao fato de freqüentar a escola. Tarefas, aliás, que fazem parte do trabalho da escola.
Conclusão: o êxito escolar diz muito pouco a respeito do estudo e do empenho dos alunos na relação com o conhecimento sistematizado. Outro fator que os pais precisam saber é que estudar não é a coisa mais importante na vida de seus filhos -nem precisa ser. Jogar futebol, namorar, brincar, ficar sem fazer nada, procurar diversão etc. são comportamentos, na vida de crianças e adolescentes, que não indicam necessariamente preguiça, pouco empenho, irresponsabilidade ou mesmo dificuldade de aprendizado. Muitas vezes, as crianças e os adolescentes precisam de um tempo para amadurecer intelectualmente, e se dedicar intensamente a algo apaixonante pode ser um passo nesse caminho.
Agora, salvar o próximo ano escolar deve ser, para os pais, a meta mais importante. Para tanto, deixar claro ao filho o transtorno familiar que ele provocou é o suficiente. Não é preciso qualificar a situação escolar como fracasso nem aplicar punições severas. Aliás, em muitos casos os filhos precisam, neste momento, de consolo. E, na próxima etapa, é importante transmitir a eles, desde o início e cotidianamente, a idéia de que estudar e passar o ano é um dever para com eles mesmos e não para com seus pais. Afinal, a escola é a primeira luta que os mais novos precisam enfrentar sozinhos.


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)

roselysayao@folhasp.com.br blogdaroselysayao.blog.uol.com.br


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