São Paulo, quinta-feira, 24 de agosto de 2006
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Outras idéias

Wilson Jacob Filho

Jogo dos sete erros

Tenho participado de alguns diálogos muito interessantes.
- Minha memória está muito ruim.
- No que ela te atrapalha?
- Em nada. No fim, acabo lembrando o que realmente preciso. Além disso, ando com uma fraqueza!
- No que isso te limita?
- Em muito pouco. Demoro, mas chego aonde quero. Ah, meu sono é péssimo.
- Como é o teu despertar?
- Acordo disposto e só vou ter sono novamente depois da meia-noite.
E assim vão sendo apresentados muitos sinais e sintomas que, mesmo em conjunto, não comprometem o todo.
Nessas horas, lembro-me daquele passatempo em que buscamos avidamente pelas sete diferenças entre dois desenhos, entendendo que o primeiro é o certo, e o segundo, o errado. Se não estivéssemos tão motivados a encontrá-los, certamente nem os perceberíamos.
Assim agem aqueles que passam a segunda metade de suas vidas comparando-a com a primeira. Apontam com ênfase cada diferença, por mais sutil que seja. Quando conseguem demonstrá-la com evidências, então, chegam à euforia.
Não atentam para o fato de que pouco compromete a sua funcionalidade, confrontando a sua realidade atual com a pregressa, em uma injusta competição com o passado.
Tento, algumas vezes com sucesso, mostrar que isso faz parte de uma evolução contínua. Em cada fase do nosso desenvolvimento, ocorrem perdas e ganhos, que, se bem entendidos e aproveitados, permitem atitudes e atividades muito interessantes.
Não há criança que, aos cinco anos, durma tanto quanto um recém-nascido. Nem adolescente que tenha a mesma energia e inquietude que tinha aos oito anos. Muito menos um jovem com a mesma flexibilidade de sua adolescência. Nem por isso entendemos que se tornaram incapazes em cada uma dessas etapas.
Recomendo que essa mesma compreensão se estenda por toda a vida, entendendo quais as suas reais conseqüências e planejando as ações em função dessa nova realidade.
Isso se aplica também aos efeitos das doenças que ocorrem freqüentemente nessa faixa etária. Não há por que uma dor articular impedir a prática de atividades físicas, que são benéficas para a recuperação funcional. Nem por que uma dieta ser obstáculo para a participação em reuniões sociais, pois há como combinar o bom relacionamento com as restrições adequadas.
Quem só procurar os seus defeitos não conseguirá reconhecer as suas potencialidades.

[...] Em cada fase do desenvolvimento, ocorrem ganhos e perdas, que permitem atitudes e atividades muito interessantes


WILSON JACOB FILHO, professor da Faculdade de Medicina da USP e diretor do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas (SP), é autor de "Atividade Física e Envelhecimento Saudável" (ed. Atheneu)
wiljac@usp.br


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