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alecrim
Cachaça ganha status de bebida para ser degustada
Flavio Florido/Folha Imagem
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Aroma e oleosidade são alguns dos aspectos avaliados durante a degustação |
SANDRO MACEDO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Durante séculos, ela foi desprezada, principalmente quando comparada a outros destilados com status de bebida nacional, como o uísque
dos escoceses, a vodca dos russos e até a tequila
dos mexicanos. Agora, a brasileiríssima cachaça
começa a expandir seus domínios, ultrapassando os balcões dos botecos e revelando-se um produto
com ótimo potencial para exportação.
Desde 1997, existe até um programa especial para
o desenvolvimento da bebida. O PBDAC (Programa Brasileiro de Desenvolvimento da Cachaça) foi
criado no governo de Fernando Henrique Cardoso
e possui três objetivos: dar suporte aos produtores,
valorizar a imagem da cachaça como produto
100% brasileiro e organizar o setor interno para
competir no mercado internacional.
Para aumentar a força da bebida lá fora, o governo luta contra exigências de mercado. Algumas podem soar despropositadas. Os norte-americanos,
por exemplo, querem que a branquinha seja rotulada como rum, a bebida típica de Cuba.
O reconhecimento como um produto genuinamente brasileiro é parte importante do processo de
amadurecimento da imagem da cachaça. Atualmente, a produção gira em torno de 1,3 bilhão de litros por ano. Em 2002, só 14,8 milhões foram destinados à exportação -os alemães foram os consumidores mais sedentos. Para Maria das Vitórias
Cavalcanti, presidente do conselho deliberativo do
PBDAC, a bebida tem potencial para chegar a 50
milhões de litros exportados até o final da década.
Com batom
O aperitivo preferido do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva está ganhando fãs entre
consumidores que, até há pouco tempo, costumavam torcer o nariz para a bebida -pelo menos em
público. Em dezembro do ano passado, a advogada
Luciana Lima Domingues de Souza, 31, fundou a
Confraria da Marvada, em Campinas (SP). Para
ela, as mulheres têm tido uma participação importante no boom do consumo da cachaça. "Acho que
a moda começou no ano passado. Só entre os diretores da confraria existem quatro mulheres",diz.
A confraria é uma ONG que pretende estimular a
civilidade e o nacionalismo usando um produto
brasileiro acima de qualquer suspeita e com um
lastro histórico forte. Filha de historiador, Luciana
recebeu a ajuda do pai para criar o hino da ONG.
Com patrocínio de proprietários de cachaças de
qualidade, os 95 confrades se reúnem mensalmente e, entre uma conversa e outra, fazem degustações
da bebida. No próximo mês, a confraria pretende
promover um curso de degustação, em que características como aroma, oleosidade e armazenamento serão explicadas e, melhor ainda, avaliadas.
Um dos confrades é o chef Sergio Arno, dos restaurantes La Vecchia Cucina, La Pasta Gialla e General Prime Burger, que deve ministrar, ainda neste
semestre, um curso para gourmets. "A idéia é focar
em duas áreas: pratos para acompanhar a cachaça e
a bebida como ingrediente", diz Luciana.
Na cozinha, a cachaça também está ganhando espaço. "Troquei o conhaque da torta de chocolate
pela pinga. Ficou muito melhor", diz a confeiteira
Ivanilda Santiago. Ela trabalha com a chef Marisa
Revoredo Campos, que, recentemente, criou um
festival para o Empório Santa Maria (SP) no qual
todos os pratos levavam pinga. O sucesso foi tanto
que pelo menos duas receitas -o "fetuccine" com
molho de cachaça na manteiga e o sorvete de cachaça- devem entrar no cardápio regular da casa.
No final de janeiro, o Senac Bistrô, do Rio, promoveu um evento semelhante para comemorar
seu primeiro aniversário. Todos os pratos criados
pelo chef Patrick Bolle tinham toques de cachaça.
Diversos restaurantes e bares também apostam
na bebida como boa opção às tequilas e aos uísques
-com direito até a rodízio de cachaça. No À Mineira (SP), por exemplo, um carrinho de madeira
passa entre as mesas oferecendo 80 marcas da bebida. São todas mineiras e, para bebericar até 14 delas, o cliente paga apenas R$ 14,90 por pessoa, bem
menos que os R$ 9,90 cobrados por uma única dose de uísque escocês.
O restaurante oferece até uma marca especial para a comunidade judaica, que segue os preceitos
"kosher". A casa promove ainda o clube da cachaça, que funciona nos mesmos moldes dos já tradicionais clubes do uísque: o cliente compra uma
garrafa da sua marca preferida e ela fica guardada
para ele consumir quando quiser. De novo, a diferença de preço é significativa: enquanto uma garrafa do legítimo representante escocês custa R$ 110, é
possível comprar uma garrafa de uma boa pinga
mineira por menos de R$ 20. Nem toda cachaça,
porém, tem preço de ocasião: a mineira Havana,
por exemplo, pode custar mais de R$ 1.000.
O Bar du Cais (SP) faz uma promoção até o final
do verão: quem pedir uma dose de cachaça ganha
outra e uma fatia de pizza de mussarela. A casa tem
cerca de 30 marcas de pinga. Cada dose custa de R$
3 a R$ 25, contra R$ 10 do uísque.
No refinado bar Upstairs, no hotel Grand Hyatt
(SP), a carta é ainda mais extensa: são 81 rótulos,
com a dose variando de R$ 5 a R$ 25. Entre eles, a
mineira Magia de Minas, envelhecida em carvalho
e jequitibá, e a paulista Itaguaçu, bidestilada, o que
reduz sua acidez.
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