São Paulo, quinta-feira, 26 de setembro de 2002
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S.O.S. família

rosely sayão

Cliente da escola é o aluno, não os seus pais

Tem muita gente cobrando a conversa já prometida a respeito do tipo de relação que as escolas e as famílias têm estabelecido entre si, o que provoca consequências nada educativas aos alunos. Vou usar um caso que chegou ao meu conhecimento recentemente para começar a abordar o assunto. A mãe de um garoto de quatro ou cinco anos viu o filho chegar da escola com a marca de uma mordida no braço. Quem tem filhos ou alunos dessa idade sabe que isso é quase inevitável. Nessa fase, a criança não tem condições ainda de falar apenas, por isso usa os recursos que tem -os físicos- para tentar fazer valer sua vontade, que é sempre imperativa. Os pais e professores procuram evitar que o comportamento se conclua, mas nem sempre dá tempo.
Os pais mais zelosos, quando se defrontam com essa situação, podem ficar preocupados e querer intervir -com razão- em uma só questão: verificar se a escola oferece pessoal competente para conter a criançada, em vez de creditar tal comportamento a "crianças sem limites ou agressivas demais". Como reagiu a mãe de nosso exemplo? Não se conteve, assim como o filho de apenas quatro anos. E no dia seguinte foi à escola, entrou na classe do filho e falou diretamente com o coleguinha que lhe tinha dado a mordida. Pegou-o firmemente pelo braço e ameaçou a pobre criança, dizendo que, caso o fato se repetisse, sofreria algum tipo de sanção, bem como a sua família.
Poderíamos dizer que essa mãe não sabe o que faz, que é louca -expressão, aliás, muito usada por professores para identificar alguns pais com quem se relacionam diretamente-, que não entende uma criança, que é exceção.
Claro que a maioria dos pais não age assim, mas usei esse exemplo radical porque é bem didático. Na verdade, essa mãe sentiu-se no direito de fazer o que fez porque considera ser ela própria a cliente da escola, o que lhe dá, no seu entender, o direito de interferir sempre que julgar que o filho não foi bem atendido segundo os interesses e a concepção dela do que seja um bom atendimento na escola para o filho. Querem um exemplo mais corriqueiro? Fácil: quantos pais não se acham no direito de pedir à escola que o filho entre depois do horário permitido e previamente combinado, alegando que a responsabilidade do atraso foi dos pais, e não do aluno? Acontece que a função da escola não é atender as demandas dos pais. Se existe um cliente na escola, esse cliente é o aluno, e não seus pais. Os pais podem saber como educar o filho em casa, mas não sabem como fazê-lo na escola, mesmo quando são professores, porque não o são daquela escola, daquele aluno que frequenta determinada classe. Os pais podem ter uma idéia do que seja o melhor para o filho, mas nem sempre isso combina com aquele filho.
O maior trabalho dos pais em relação à escola deve ocorrer anteriormente: na escolha da escola, na busca da que ofereça um projeto pedagógico compatível com a teoria que fundamenta sua prática, da que se ocupe da formação permanente de seus professores, da que seja coerente com o que postula nas palavras. Feita a escolha, os pais precisam confiar na escola e delegar a ela a educação de seu filho no espaço escolar. Os pais não podem querer interferir na prática da escola: ela não é a continuação do lar. Não é também apenas um prestador de serviços. A educação é um bem cultural, social, ético -para os seus alunos.
A escola, por sua vez, não pode permitir que os pais se comportem como se fossem eles os seus clientes e interfiram no seu espaço de trabalho. Para uma boa educação, cada um deve se manter no seu papel, respeitar o trabalho do outro e deixar que o aluno seja o centro dessa relação, que ele seja o cliente, se queremos assim chamá-lo. Claro que algumas escolas perdem o pé da situação, e aí os pais têm o direito de "rodar a baiana". Mas, em geral, isso deve ocorrer pelos motivos opostos aos atuais. Um exemplo? Fácil, de novo: se você é convocado a discutir o comportamento de seu filho na escola, questione o papel dela. A não ser que você ache normal convocar os professores para ajudar a discutir as transgressões que seu filho comete em casa.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br


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