|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
S.O.S. família
rosely sayão
Cliente da escola é o aluno, não os seus pais
Tem muita gente cobrando a conversa já prometida a respeito do tipo de relação que as escolas e as famílias têm estabelecido entre si, o que provoca consequências nada educativas aos alunos. Vou usar um caso que chegou ao meu conhecimento recentemente para começar a abordar o assunto. A mãe de um garoto de quatro ou cinco anos viu o filho chegar da escola com
a marca de uma mordida no braço. Quem tem
filhos ou alunos dessa idade sabe que isso é
quase inevitável. Nessa fase, a criança não tem
condições ainda de falar apenas, por isso usa
os recursos que tem -os físicos- para tentar
fazer valer sua vontade, que é sempre imperativa. Os pais e professores procuram evitar
que o comportamento se conclua, mas nem
sempre dá tempo.
Os pais mais zelosos, quando se defrontam
com essa situação, podem ficar preocupados e
querer intervir -com razão- em uma só
questão: verificar se a escola oferece pessoal
competente para conter a criançada, em vez
de creditar tal comportamento a "crianças
sem limites ou agressivas demais". Como reagiu a mãe de nosso exemplo? Não se conteve,
assim como o filho de apenas quatro anos. E
no dia seguinte foi à escola, entrou na classe do
filho e falou diretamente com o coleguinha
que lhe tinha dado a mordida. Pegou-o firmemente pelo braço e ameaçou a pobre criança,
dizendo que, caso o fato se repetisse, sofreria
algum tipo de sanção, bem como a sua família.
Poderíamos dizer que essa mãe não sabe o
que faz, que é louca -expressão, aliás, muito
usada por professores para identificar alguns
pais com quem se relacionam diretamente-,
que não entende uma criança, que é exceção.
Claro que a maioria dos pais não age assim,
mas usei esse exemplo radical porque é bem
didático. Na verdade, essa mãe sentiu-se no
direito de fazer o que fez porque considera ser
ela própria a cliente da escola, o que lhe dá, no
seu entender, o direito de interferir sempre
que julgar que o filho não foi bem atendido segundo os interesses e a concepção dela do que
seja um bom atendimento na escola para o filho. Querem um exemplo mais corriqueiro?
Fácil: quantos pais não se acham no direito de
pedir à escola que o filho entre depois do horário permitido e previamente combinado, alegando que a responsabilidade do atraso foi
dos pais, e não do aluno? Acontece que a função da escola não é atender as demandas dos
pais. Se existe um cliente na escola, esse cliente
é o aluno, e não seus pais. Os pais podem saber
como educar o filho em casa, mas não sabem
como fazê-lo na escola, mesmo quando são
professores, porque não o são daquela escola,
daquele aluno que frequenta determinada
classe. Os pais podem ter uma idéia do que seja o melhor para o filho, mas nem sempre isso
combina com aquele filho.
O maior trabalho dos pais em relação à escola deve ocorrer anteriormente: na escolha da
escola, na busca da que ofereça um projeto pedagógico compatível com a teoria que fundamenta sua prática, da que se ocupe da formação permanente de seus professores, da que
seja coerente com o que postula nas palavras.
Feita a escolha, os pais precisam confiar na escola e delegar a ela a educação de seu filho no
espaço escolar. Os pais não podem querer interferir na prática da escola: ela não é a continuação do lar. Não é também apenas um prestador de serviços. A educação é um bem cultural, social, ético -para os seus alunos.
A escola, por sua vez, não pode permitir que
os pais se comportem como se fossem eles os
seus clientes e interfiram no seu espaço de trabalho. Para uma boa educação, cada um deve
se manter no seu papel, respeitar o trabalho do
outro e deixar que o aluno seja o centro dessa
relação, que ele seja o cliente, se queremos assim chamá-lo. Claro que algumas escolas perdem o pé da situação, e aí os pais têm o direito
de "rodar a baiana". Mas, em geral, isso deve
ocorrer pelos motivos opostos aos atuais. Um
exemplo? Fácil, de novo: se você é convocado a
discutir o comportamento de seu filho na escola, questione o papel dela. A não ser que você ache normal convocar os professores para
ajudar a discutir as transgressões que seu filho
comete em casa.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br
Texto Anterior: Me dê Motivo Próximo Texto: Outras Idéias - Mario Sergio Cortella: Um persistente cio Índice
|