UOL


São Paulo, quinta-feira, 27 de março de 2003
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Muitas vezes confundido com timidez, esse distúrbio provoca problemas físicos e emocionais, como insônia e irritabilidade

Fobia social limita vida pessoal e profissional

SIMONE IWASSO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Pessoas quietas, que evitam o contato social, têm dificuldade para fazer amigos, não gostam de ser observadas e morrem de medo de ser o centro das atenções. Pura timidez ou introspecção? Nem sempre. Quando essas reações prejudicam o cotidiano e geram sofrimento, a causa pode ser a fobia social, um distúrbio de ansiedade que pode ser tratado e afeta aproximadamente 13% da população mundial. No Brasil, estima-se que cerca de 15 milhões de pessoas sofram desse distúrbio. Por desinformação, porém, poucos procuram tratamento adequado. A fobia social, também conhecida como transtorno social de ansiedade, é o temor excessivo de se expor aos outros. É o medo da desaprovação, de ser criticado, julgado ou de fazer "papel de bobo".

Frio na barriga
É importante distinguir a timidez, que é um traço da personalidade, da fobia social. De acordo com a psiquiatria, é possível perceber a diferença no comportamento do fóbico e do simples tímido.
Sentir aquele frio na barriga antes de alguma situação nova -uma entrevista de emprego, o vestibular, o primeiro encontro com alguém- é normal. Esse friozinho nada mais é que um sinal de ansiedade, uma sensação até benéfica, porque alerta a pessoa para se preparar para uma atividade ou para enfrentar algum perigo eminente, afirma a psiquiatra Isa Kabacznik, presidente do Comitê Multidisciplinar de Adolescência, da Associação Paulista de Medicina.


"A baixa auto-estima é uma das principais características dos portadores do distúrbio"
Antonio Egídio Nardi, do Instituto de Psiquiatria da UFRJ



"Por mais que evite algum tipo de situação, o tímido consegue enfrentá-la, mesmo que sinta dificuldade. O fóbico social não consegue ultrapassar o obstáculo, sofre muito por antecipação e, diante da situação de exposição, ele sente diversos sintomas físicos e procura fugir", explica a psiquiatra.
Portanto a diferença entre timidez e fobia social está no grau de sofrimento e de incapacitação. O tímido geralmente não gosta de falar em público, mas, se fizer um treinamento e ensaiar diversas vezes, conseguirá falar, melhorando seu desempenho à medida que vivenciar essa situação novamente. Isso não acontece com o fóbico social. Ele não consegue nem ao menos ensaiar e, muito menos, fazer o primeiro discurso.
As mais variadas situações podem desencadear uma crise de fobia social. O fator em comum é a exposição ao outro. Falar em público, comer em restaurantes, tirar fotos, ir a uma festa, participar de uma gravação caseira de vídeo, aproximar-se do sexo oposto, participar de uma entrevista de emprego, comprar produtos em uma loja e uma série de outras situações corriqueiras podem provocar sintomas físicos, entre eles tremores, tonturas, dor de cabeça, diarréia e suor excessivo.
"As pessoas costumam procurar tratamento após dez anos, em média, de convivência com a doença. A maioria dos pacientes não sabem que o que eles sentem pode ser curado, pensam que são assim mesmo", diz o psiquiatra Flávio Kapczinski, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e autor do livro "Transtorno de Pânico: O que É? Como Ajudar? Um Guia de Orientação para Pacientes e Familiares" (ed. Artmed, lançamento previsto para maio).
Existem dois tipos de fobia social, a circunscrita e a generalizada. No primeiro caso, o fóbico teme apenas algumas situações sociais. Já a fobia social generalizada caracteriza-se pelo temor a todas ou quase todas as situações sociais, o que pode prejudicar bastante as relações afetivas e profissionais da pessoa. O analista de sistemas S. F., 35, convive com os sintomas de fobia social circunscrita há pelo menos 20 anos. "Nunca gostei de lugares muito cheios, danceterias, bares lotados, festas com muitas pessoas. Não sei explicar muito bem os motivos, mas, em locais assim, começo a sentir tontura, calafrios, a suar demais e preciso ir embora. Com isso, perco muitas festas, aniversários de amigos e parentes", diz. Segundo Márcio Bernik, psiquiatra e professor da Faculdade de Medicina da USP, para evitar as limitações enfrentadas pelo analista de sistemas, o primeiro passo é a informação. "Precisa acontecer com a fobia social o mesmo que aconteceu com a síndrome do pânico na década passada, quando a mídia começou a divulgar e as pessoas tomaram conhecimento da doença", afirma o psiquiatra.

Na adolescência
As causas da fobia social ainda não foram esclarecidas cientificamente, mas a predisposição familiar e o ambiente estão associados ao aparecimento da doença. Existem casos de fobia social em crianças e também em adultos, mas são uma minoria. Em geral, a fobia social costuma aparecer na adolescência, por volta dos 15 anos. As novas experiências a que o adolescente é submetido -descoberta da sexualidade e busca de identidade, entre outras- , assim como as transformações físicas por que passa - diversas mudanças hormonais-, favorecem o desenvolvimento da fobia. De acordo com o psiquiatra Flávio Kapczinski, pais e professores devem ficar atentos. Mudanças de comportamento são relativamente comuns nessa faixa etária, mas um isolamento excessivo e uma grande dificuldade em realizar tarefas coletivas ou participar de situações sociais podem ser indícios da fobia. Apesar de a fobia social afetar mais as mulheres, o tratamento é mais procurado pelos homens. "Muitas mulheres disfarçam a doença ficando mais restritas ao círculo familiar; mesmo nos dias de hoje, esse comportamento é considerado aceitável para uma mulher. Já a participação social dos homens é mais cobrada", afirma Kapczinski. Mas nem todas as mulheres preferem se esconder. A advogada L.M.C, 37, sofreu muito com o transtorno durante a adolescência e boa parte da vida adulta. "Tomava calmantes para fazer entrevistas de emprego e reuniões no escritório", diz ela. Por não conseguir comer em público, a advogada chegou a emagrecer. Procurou tratamento, e conviver com os outros está bem mais fácil e agradável.


"A maioria dos pacientes não sabem que o que eles sentem pode ser curado, pensam que são assim mesmo"
Flávio Kapczinski, psiquiatra da UFRGS



Isolamento
O medo da exposição faz com que os fóbicos sociais percam experiências, vivam em isolamento e até mesmo dispensem promoções no emprego. Uma pesquisa do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mostra que eles estudam cerca de cinco anos menos que as outras pessoas da mesma classe social.
Eles também têm menos relações sexuais que a média da população, e cerca de 40% casam-se com a primeira namorada. "A baixa auto-estima é uma das principais características dos portadores do distúrbio. Eles aceitam a primeira pessoa com quem conseguem se relacionar porque pensam que não são capazes de atrair a atenção de ninguém", explica o psiquiatra Antonio Egídio Nardi, responsável pela pesquisa.
Segundo o psiquiatra, apesar de o medo de falar em público ser mais comum entre a população, a pesquisa mostra que o maior problema apontado pelos fóbicos é a dificuldade de assinar na frente de outras pessoas. "Eles não conseguem assinar cheques ou nenhum tipo de documento em público, mas, uma vez que ninguém esteja olhando, assinam normalmente."


Texto Anterior: quem é ele
Próximo Texto: Sintomas aparecem em situações sociais
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.