São Paulo, quinta-feira, 27 de julho de 2000
Texto Anterior | Índice

outras idéias
Gerenciar o tempo 24 horas significa dar atenção à família, aos amigos e até desconhecidos - por vezes formidáveis seres humanos escondidos no anonimato das cidades
Livrando-se das jaulas corporativas

Fábio Steinberg

Quando alguém diz que trabalha como louco para financiar raros momentos de lazer, vejo um escravo -versão século 21. Um sujeito simplório me disse que dividia os dias em três partes iguais: trabalho, diversão e sono. Adotava uma contabilidade de botequim para medir seu grau de felicidade. Quando gastava mais horas no trabalho do que em diversão e sono, algo estava errado. Depois de ler sobre as mais sofisticadas teorias de qualidade de vida, cheguei à conclusão de que a fórmula daquele homenzinho simplório é a melhor que conheci.
Vida é como dinheiro: um produto escasso que a gente gasta em besteira e só valoriza ao perceber que vai faltar. Preocupado em ver dias se transformarem em horas e essas em instantes, encontrei uma fórmula para mim. Mas não tenho a pretensão de descrever a fórmula da felicidade geral. Cada caso é um caso. Decidi me transformar num profissional autônomo. Reduzi deslocamentos casa-escritório e substituí reuniões por telefonemas e e-mails. Não estou sozinho. Cada dia mais gente está adotando esse novo estilo de vida. Dois fatores inversamente proporcionais viabilizam o modelo: os avanços da tecnologia e a piora do trânsito.
Neste novo mundo, o ex-animal de empresa tem de enfrentar novos problemas, inexistentes para quem passa a maior parte da vida atrás das jaulas corporativas. Mas o resultado compensa! Primeiro, é preciso administrar o tempo. Acabam-se as facilidades, as secretárias e os office-boys. No divórcio entre pessoa física e jurídica, perde-se o sobrenome assegurado pela marca. Sai o cidadão-empresa e entra o mortal que só conta com o CIC, a identidade e a reputação para mostrar quem é. Ele precisa cuidar de tudo, desde convencer o gerente do banco que tem crédito até pagar suas contas. Escreve e envia cartas, atende telefonemas e aguarda na linha para falar com executivos. Mas humildade não faz mal a ninguém. E, para apoiá-lo na nova vida, existem empresas de "back office", o "home banking", a secretária eletrônica, o celular, o computador, o fax.
Trabalhar sozinho esconde armadilhas. Assim, nas horas de maior tensão, não há mais o cafezinho com colegas para relaxar. No lugar, surge a vilã geladeira, com seus traiçoeiros tentáculos calóricos. Para compensar, dá para trocar uma hora menos requisitada do expediente por um exercício físico -o que seria impensável nas empresas. Mas, como dono do nariz, é preciso vigiar foco e disciplina. A sensação de liberdade total pode se traduzir em perda de produtividade.
O prazer de viver o próprio modelo profissional é indescritível. Bastar observar vizinhos estressados sobrecarregarem elevadores do prédio no começo do dia. Conviver com a contramão dos horários da maioria é uma delícia! Nada melhor do que manobrar o carro numa garagem já esvaziada ou dirigir no trânsito menos denso, quando todos já chegaram aos destinos.
Buscar o filho na escola é uma atividade reservada a poucos homens, ironicamente os desempregados. Mas, para o autônomo, não há trabalho tão urgente que não possa esperar em troca do sorriso de uma criança que vê o pai despontar à sua frente. Ou compartilhar com a mulher uma tarde de sol. Gerenciar o tempo 24 horas significa dar atenção à família, aos amigos e até a desconhecidos por vezes formidáveis seres humanos escondidos no anonimato das cidades.
Qualidade de vida não é uma, mas centenas de ações que permitem distribuir alegria ao longo do dia. Transformar rotina em momentos mágicos é a uma obra de engenharia que engrandece. E, se tivermos que mudar o que convencionamos chamar de trabalho, vamos começar logo. Agora! Antes que seja tarde.


Fabio Steinberg é consultor em comunicação empresarial e responsável pelo site www.ficcoesreais.com.br



Texto Anterior: Outros rumos
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.