São Paulo, quinta-feira, 27 de julho de 2006
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S.O.S família

Rosely Sayão

Educação profissional

No mundo atual, educar transformou-se numa tarefa essencialmente profissional. Não me refiro aos profissionais da educação que atuam em escolas com teorias e metodologias. Falo dos pais e de sua responsabilidade de educar no convívio familiar.
Hoje há uma profusão de profissionais de todas as áreas que ofertam suas opiniões aos pais. Dos profissionais da saúde aos da economia, todos acreditam ter contribuições imprescindíveis a dar.
"Assim fica difícil", reclamou uma leitora, referindo-se aos temas tratados nesta coluna. Segundo ela, os profissionais criaram um movimento de apontar aos pais todos os erros cometidos. "Não importa o que façamos, estamos sempre errando. Educar é uma tarefa impossível sem que os pais leiam os manuais profissionais."
A leitora tem razão. Dos cuidados com os dentes à chamada educação financeira, há vários tratados sobre como proceder com os filhos. Não há dúvida nenhuma de que vivemos na era profissional. E, se os pais, mesmo assim, não conseguem resolver as dificuldades que os filhos lhes impõem, não há problema. Há, também, uma oferta enorme de profissionais que se propõem a tratar daquilo que os pais não dão conta.
Mas como surgiu espaço para tanta oferta? Entre tantas possíveis causas que colaboraram para criar esse fenômeno, há uma importante: o vazio que os pais criaram ao abandonar o lugar de autoridade que precisariam ocupar para dar corpo e consistência à tarefa educativa.
Hoje muitos hesitam em ocupar esse lugar. Tenho um amigo que diz que, tanto na educação familiar quanto na escolar, quem ocupa com responsabilidade o lugar de autoridade é acusado de ser autoritário. Mas há uma grande diferença entre usar o poder para educar e abusar desse poder.
O fato é que, com tantas preocupações com a própria vida, os pais preferem delegar sua responsabilidade a quem lhes pareça mais competente. É nesse quadro que fazem enorme sucesso programas como "Supernanny".
Acontece que muitos pais foram seduzidos pela idéia de que educar é uma tarefa operacional que visa preparar os filhos, em termos de habilidades e competências, para enfrentar o futuro que os aguarda. Mas a educação familiar é de outra ordem. É no convívio familiar que se educam os filhos. São os costumes, as tradições do grupo e os rituais que dão sentido à vida para crianças e jovens. São as virtudes pessoais valorizadas e a moral seguida pelo grupo familiar que ajudam a formar crianças e jovens. E é, sobretudo, a palavra o instrumento que permite aos pais educarem.
Mas, na era do PowerPoint, a palavra caiu em desuso, e, em tempos de correria sem fim, o convívio entre os integrantes da família ficou escasso. O que dizer do diálogo, então? E não me refiro a essa conversa que os pais têm com os filhos na tentativa de convencê-los a obedecer porque obediência não se convence, se impõe. Refiro-me ao ato de trocar idéias, de contar e de ouvir histórias, de realizar embate de opiniões.
Hoje pais e filhos quase não se falam. Há mais instruções, recomendações e reclamações do que conversas. As pessoas estão mais propensas a concordar com as idéias ou a discordar delas do que a conhecê-las, e as regras fazem muito mais sucesso do que os princípios.
Vivemos na era da objetividade, da tecnologia e da persuasão. É por isso que muitas idéias (como algumas de que trato aqui) são encaradas como conselhos ou como acusações. Mas são apenas idéias, que podem ser conhecidas, apreendidas e recriadas. A incumbência maior dos pais é contar aos filhos como é esse mundo que eles habitam e como vive a família a que eles pertencem. E isso exige disponibilidade e responsabilidade acima de tudo.


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
@ - roselysayao@folhasp.com.br

blogdaroselysayao.blog.uol.com.br


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