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Outras idéias - Michael Kepp
Casulo e borboleta
Minha mulher, Rosa,
diz que sempre
que viajamos nas
férias sai de meu
casulo uma borboleta. O casulo
a que se refere é o escritório em
que escrevo, a casa em que hiberno e nosso bairro carioca do
qual raramente me aventuro a
sair. A borboleta seria a criatura inquieta e vibrante que me
torno quando estou em um ambiente novo e agradável.
Eu também notei a metamorfose. Quanto mais remoto
nosso destino, mais energizado
eu fico. O peixe na brasa que
uma colônia de pescadores
compartilhou conosco na ilha
do Caju, no Piauí, levou a um
animado papo que trouxe à tona minha Morpho azul interior.
Há alguns anos, visitando o
Museu Chagall, nas colinas sobre Nice, foram as cores fortes
do pintor e suas personagens
voláteis que me deram asas. Eu
convenci Rosa a se aventurar
em uma carona de volta à cidade para ver quem conheceríamos. O mexicano que nos levou
se tornou um amigo com quem
viajamos pela Provença. Esse
não é o Mike (eu) que mora no
Rio, um cara que não se esforça
para conhecer os vizinhos nem
o nome dos porteiros.
Eu conheci três vizinhos do
prédio ao lado só porque os encontrei em viagens. Rosa reconheceu um deles num restaurante em Tiradentes e os outros dois numa rua de São Luís.
"Olhe, o Guido e a Helena", ela
disse. "Quem?", perguntei. Tive de ir ao Maranhão para conhecer um casal que morava
no prédio vizinho há quase
uma década. Isso me fez ver como meu casulo me deixa isolado, fazendo-me esquecer algo
bem básico: como as pessoas
são fascinantes.
Viagens também fazem grupos ficarem mais coesos, forçando a proximidade física de
seus membros. Aprendi isso
quando viajei com Rosa e seus
dois filhos para Paraty. Nós
quatro, que nunca havíamos jogado juntos, brincamos de mímica, e o jogo nos mostrou como jogávamos bem juntos.
Quando voltamos de férias, minha natureza lúdica e vibrante
desaparece. Uma vez, um casal
carioca que conhecemos na Bahia nos convidou para ir à casa
deles no Rio. E eles ficaram
chocados com a metamorfose.
Ele perguntou se eu estava
doente, e ela quis saber se algo
havia me deixado na fossa. Eles
também não acreditaram
quando eu disse que estava
bem. Por quê? De volta ao meu
habitat, meus olhos perderam
o brilho, minha voz perdeu o
entusiasmo. E, apesar de nossas tentativas, nunca mais nos
vimos. Rosa, que vê nossas férias como a chance de passar
tempo com um marido mais
atraente, me lembrou por quê.
"As pessoas que te conhecem
nas viagens presumem que "o
Mike de férias" é quem você é",
ela disse, "e se decepcionam
quando aquela borboleta fica
com jeitão de lagarta."
[...] Viagens também fazem grupos ficarem mais coesos, forçando a proximidade física de seus membros
MICHAEL KEPP, jornalista norte-americano radicado há 24 anos no Brasil, é autor do livro de
crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões e
Desabafos de um Gringo Brasileiro" (ed. Record)
www.michaelkepp.com.br
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