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Entrevista
Viciados em ações
Especulação no mercado financeiro também envolve riscos ligados a compulsão por jogo, alerta especialista
AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando se fala em compulsão por apostas, é comum pensar que ela só atinge quem passa o dia em bingos ou vendo
corrida de cavalos.
O que o estereótipo esconde
é que o problema também está
presente em situações que são
muito mais aceitáveis socialmente, como na especulação
no mercado financeiro.
O risco de desenvolver uma
relação patológica com esse tipo de aposta vai além da perda
de dinheiro. Como alerta o psiquiatra Hermano Tavares, fundador do Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso, do Instituto de Psiquiatria
da USP, a compulsão leva à autodesmoralização e à ruptura
de relações sociais e familiares.
FOLHA - Qual a semelhança entre
especular no mercado financeiro e
ser viciado em jogos como o bingo?
HERMANO TAVARES - Desde que
se estabeleceram os critérios de
jogo compulsivo, em 1980, que
se diz que algumas pessoas poderiam reproduzir em investimentos financeiros de alto risco o comportamento observado nos jogos clássicos. A razão
para imaginar isso vem da própria definição de jogo compulsivo, que implica a perda de
controle das apostas.
FOLHA - O que caracteriza essa perda de controle?
TAVARES - Apostar mais do que
você se prometeu. Perder mais
tempo com isso do que tinha se
programado. Tentar reduzir essa atividade e não conseguir.
Tentar interromper e recair seguidas vezes. No mundo financeiro, você tem várias formas
de investimento e nem todas
representam uma aposta. Um
fundo com renda fixa não é
uma aposta. Investir em ações,
também não. Mas existe o mercado de derivativos, onde a
idéia é comprar mais barato para vender mais em determinado prazo. Só que isso é uma
aposta. Essas pessoas apostam
que o produto ficará mais caro,
e isso não depende delas.
FOLHA - Em quanto tempo a pessoa pode ficar dependente?
TAVARES - Nos casos que acompanhei, esse comportamento
se torna sem controle em um
curto espaço de tempo. Mas
quem trabalha com isso demora mais a perceber.
FOLHA - Como o problema surge
fora da esfera profissional?
TAVARES - Tem um fenômeno
acontecendo agora que são os
"home brokers" -há 174 mil na
Bovespa. É gente que instalou o
programa, caiu no mercado de
derivativos e fica 12, 20 horas
na frente do computador
acompanhando os resultados.
FOLHA - O senhor é contra esse tipo
de atividade?
TAVARES - Acho que ela deveria
passar por algum tipo de crivo,
não poderia ser tão aberta. Seu
filho adolescente pode entrar lá
e especular. O envolvimento
precoce com esse tipo de atividade pode ser danoso.
FOLHA - Qual o perfil das pessoas
mais vulneráveis?
TAVARES - Não existe um perfil,
mas uma história de dependência na família pode facilitar,
pois essa vulnerabilidade é, em
parte, hereditária. Características como impulsividade, ansiedade e depressão podem facilitar também, mas não necessariamente vão levar a um comportamento compulsivo.
FOLHA - O mais importante para
elas é apostar ou ter o dinheiro?
TAVARES - Um jogador compulsivo dirá que a principal razão
para apostar é que ele precisa
de dinheiro para pagar as dívidas. Mas, se ele tem dívidas, o
ideal é não arriscar mais dinheiro. A pessoa deve se perguntar se está usando dinheiro
de poupança, aposentadoria ou
outra reserva e pensar como isso afetará sua vida.
FOLHA - Quais os outros prejuízos,
além do financeiro?
TAVARES - Basicamente, são
três as áreas afetadas. A primeira é o sofrimento interno: cerca
de 80% dos jogadores compulsivos já pensaram em suicídio e
de 15% a 20% chegam a tentar
ser matar. A segunda é a ruptura social e familiar. Além disso,
a questão financeira afeta a autonomia da pessoa.
FOLHA - Como tratar?
TAVARES - Tratamento psiquiátrico, tratamento psicológico,
jogadores anônimos -os três
juntos ou combinações entre
eles. Há modelos de psicoterapia que encaram essa compulsão como sintoma de outras
questões mais profundas e há
formas de abordar o problema
com técnicas específicas para
supressão ou controle do comportamento.
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