São Paulo, quinta-feira, 28 de setembro de 2006
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Entrevista

Viciados em ações

Especulação no mercado financeiro também envolve riscos ligados a compulsão por jogo, alerta especialista

AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando se fala em compulsão por apostas, é comum pensar que ela só atinge quem passa o dia em bingos ou vendo corrida de cavalos. O que o estereótipo esconde é que o problema também está presente em situações que são muito mais aceitáveis socialmente, como na especulação no mercado financeiro.
O risco de desenvolver uma relação patológica com esse tipo de aposta vai além da perda de dinheiro. Como alerta o psiquiatra Hermano Tavares, fundador do Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso, do Instituto de Psiquiatria da USP, a compulsão leva à autodesmoralização e à ruptura de relações sociais e familiares.

 

FOLHA - Qual a semelhança entre especular no mercado financeiro e ser viciado em jogos como o bingo?
HERMANO TAVARES -
Desde que se estabeleceram os critérios de jogo compulsivo, em 1980, que se diz que algumas pessoas poderiam reproduzir em investimentos financeiros de alto risco o comportamento observado nos jogos clássicos. A razão para imaginar isso vem da própria definição de jogo compulsivo, que implica a perda de controle das apostas.

FOLHA - O que caracteriza essa perda de controle?
TAVARES -
Apostar mais do que você se prometeu. Perder mais tempo com isso do que tinha se programado. Tentar reduzir essa atividade e não conseguir. Tentar interromper e recair seguidas vezes. No mundo financeiro, você tem várias formas de investimento e nem todas representam uma aposta. Um fundo com renda fixa não é uma aposta. Investir em ações, também não. Mas existe o mercado de derivativos, onde a idéia é comprar mais barato para vender mais em determinado prazo. Só que isso é uma aposta. Essas pessoas apostam que o produto ficará mais caro, e isso não depende delas.

FOLHA - Em quanto tempo a pessoa pode ficar dependente?
TAVARES -
Nos casos que acompanhei, esse comportamento se torna sem controle em um curto espaço de tempo. Mas quem trabalha com isso demora mais a perceber.

FOLHA - Como o problema surge fora da esfera profissional?
TAVARES -
Tem um fenômeno acontecendo agora que são os "home brokers" -há 174 mil na Bovespa. É gente que instalou o programa, caiu no mercado de derivativos e fica 12, 20 horas na frente do computador acompanhando os resultados.

FOLHA - O senhor é contra esse tipo de atividade?
TAVARES -
Acho que ela deveria passar por algum tipo de crivo, não poderia ser tão aberta. Seu filho adolescente pode entrar lá e especular. O envolvimento precoce com esse tipo de atividade pode ser danoso.

FOLHA - Qual o perfil das pessoas mais vulneráveis?
TAVARES -
Não existe um perfil, mas uma história de dependência na família pode facilitar, pois essa vulnerabilidade é, em parte, hereditária. Características como impulsividade, ansiedade e depressão podem facilitar também, mas não necessariamente vão levar a um comportamento compulsivo.

FOLHA - O mais importante para elas é apostar ou ter o dinheiro?
TAVARES -
Um jogador compulsivo dirá que a principal razão para apostar é que ele precisa de dinheiro para pagar as dívidas. Mas, se ele tem dívidas, o ideal é não arriscar mais dinheiro. A pessoa deve se perguntar se está usando dinheiro de poupança, aposentadoria ou outra reserva e pensar como isso afetará sua vida.

FOLHA - Quais os outros prejuízos, além do financeiro?
TAVARES -
Basicamente, são três as áreas afetadas. A primeira é o sofrimento interno: cerca de 80% dos jogadores compulsivos já pensaram em suicídio e de 15% a 20% chegam a tentar ser matar. A segunda é a ruptura social e familiar. Além disso, a questão financeira afeta a autonomia da pessoa.

FOLHA - Como tratar?
TAVARES -
Tratamento psiquiátrico, tratamento psicológico, jogadores anônimos -os três juntos ou combinações entre eles. Há modelos de psicoterapia que encaram essa compulsão como sintoma de outras questões mais profundas e há formas de abordar o problema com técnicas específicas para supressão ou controle do comportamento.


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