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Efeito placebo é extraordinário e muito mal compreendido
HÉLIO SCHWARTSMAN
ARTICULISTA DA FOLHA
E-drugs existem há dezenas de milhares de anos e atendem pelo nome
de música. O resto é marketing.
Que padrões sonoros afetam o cérebro humano suscitando emoções não
é exatamente novidade. É justamente
isso que torna a música interessante.
Vendedores de e-drugs sugerem que
suas faixas são mais poderosas que
Beethoven e causam efeitos semelhantes aos de LSD e haxixe. É possível, mas altamente improvável.
O conceito básico por trás das e-drugs são os sons binaurais. São produzidos quando cada um dos ouvidos
é submetido a tons ligeiramente diferentes. Assim, se o nosso ouvido esquerdo captar um som com uma frequência de 97 Hz, e o direito, de 103
Hz, o cérebro irá perceber um diferencial de 6Hz e, num esforço de sincronização, tende a operar nessa frequência, que, no caso, corresponde à das
ondas teta (4 a 7 Hz), associadas ao sono REM (com sonhos). Ao menos em
teoria, a pessoa irá sentir-se gradualmente mais relaxada e sonolenta.
O efeito das ondas binaurais é real e
foi descoberto em 1839 pelo físico
prussiano Heinrich Wilhelm Dove. O
que ainda não foi demonstrado é que
padrões sonoros binaurais possam induzir muito mais do que estados de excitação e relaxamento. Dizer que causam alucinações, orgasmos e êxtases
religiosos é uma afirmação retumbante que deveria ser acompanhada de
evidências igualmente bombásticas.
Até agora, elas ainda não apareceram. Só o que existe são relatos de pessoas que dizem ter experimentado essas sensações publicados no site de
empresas que comercializam as e-drugs. Mesmo que demos crédito a esses indícios anedóticos, eles são melhor explicados pelo efeito placebo do
que por mecanismos cerebrais mais
exóticos.
Aqui é preciso um certo cuidado. Dizer que uma dada manifestação se deve ao efeito placebo está longe de significar que ela não exista. O placebo é,
a um só tempo, um dos mais extraordinários aspectos da neurologia humana e um dos mais mal compreendidos.
Ele é extraordinário porque mostra
que o cérebro produz reações que normalmente só ocorrem com recurso a
drogas poderosíssimas. E é mal compreendido porque costuma ser descrito meio pejorativamente como algo
que "está apenas na sua cabeça".
A verdade, contudo, é que o efeito
placebo é bastante poderoso e incrivelmente real. Só não o utilizamos a
torto e a direito na medicina por razões
éticas. Placebos sempre envolvem algum grau de enganação. A confiança
no médico e parte do efeito curativo se
perdem se o paciente descobre que estava tomando pílula de farinha em vez
de remédio "real".
Para quem está apenas interessado
em curtir um pouco, sem preocupações éticas ou curiosidades neurofisiológicas, e-drugs são uma alternativa
mais saudável que drogas de verdade.
É claro que só funcionarão com os
mais crédulos.
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