São Paulo, quinta-feira, 28 de outubro de 2004
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rosely sayão

As regras e as lições do esporte

Um leitor que é pai sugeriu uma conversa bem interessante e vou embarcar nela hoje. Ele quer refletir a respeito da função dos jogos e campeonatos esportivos nas escolas regulares e das escolinhas de iniciação esportiva no desenvolvimento e na formação dos filhos. E ele já dá, logo de partida, uma bela contribuição em forma de interrogação.
De um lado, considera importante o aprendizado da relação com as regras e com os colegas de time pela prática dos esportes em geral -bem como a contribuição que isso provoca para a saúde física e mental da garotada. Por outro lado, questiona se o clima competitivo que impera nessa prática não seria prejudicial à idéia de vida social solidária.


Apostar na educação que ensina e estimula a competitividade é investir na permanência de uma característica de nosso mundo atual e deixar filhos e alunos submetidos a um único estilo de viver


Ensinar o filho a ser competitivo para que ele tenha melhores condições de sobrevivência nesse nosso mundo tem sido uma preocupação de muitos pais. Um grande número de escolas adota esta atitude -nem sempre de forma consciente-, e não apenas na área da educação física e/ou esportiva. Listagem com a classificação dos alunos quanto ao seu aproveitamento é apenas um exemplo de uma das maneiras pela qual a escola expressa seu posicionamento nessa questão.
O mundo está competitivo? Certamente que sim! Entretanto isso não significa que todos devam viver de modo competitivo -tampouco que seja necessário encaminhar a educação dos filhos de modo a ensinar a competitividade. Se o mundo está assim, ele por si só já ensina isso aos mais novos. Cabe então às famílias e às escolas que se preocupam com a liberdade de escolha -que mais tarde será feita- apresentar a filhos e alunos justamente o que o meio social não apresenta: a vida em cooperação e a possibilidade -rica, por sinal- de convivência com a diferença e com a diversidade.
Os esportes, de um modo geral, podem ensinar isso também. Mas parece ser bem mais difícil. Isso seria possível, por exemplo, se todos os alunos participassem de jogos e campeonatos. E quando digo todos, incluo os que não demonstram talento para nenhuma modalidade esportiva, os que têm ainda dificuldades no controle do próprio corpo, os que, por características pessoais físicas, não seriam considerados aptos a praticar competitivamente esse ou aquele tipo de jogo.
Outra questão diz respeito à ênfase que se dá a essas atividades, que deveria ser outra que o resultado e a classificação dos times. É possível, sim, aprender a cooperar no jogo e a vibrar com belas jogadas -mesmo do time adversário.
Como nosso leitor bem lembrou, jogar leva a garotada a se relacionar com regras, com faltas e penalidades, com julgamentos. Ensina muita coisa sobre o jogo da vida. Aliás, quem acha que nossas crianças têm dificuldade de conviver com regras e de aceitá-las deveria tentar encontrar, então, as razões pelas quais muitos deles sentem tanto gosto por praticar futebol, por exemplo. Existe jogo mais regrado que esse? Sem a aceitação das regras, não há jogo possível. Só que as regras do jogo são bem claras, valem para todos, e as penalidades são sempre previamente conhecidas.
Por fim, é bom lembrar também que a prática esportiva não garante saúde física e mental para ninguém. A maneira como ela é encarada, como é estimulada e ensinada, pode render resultados positivos. Ou não.
Já se foi o tempo de pensar, por exemplo, que o esporte auxilia os jovens a ficar longe das drogas. Hoje pode até estimular seu uso, já que algumas drogas -mesmo que lícitas- influem no rendimento do organismo e até mesmo nas formas do corpo. Como o que importa é o resultado competitivo, o jovem considera esse um bom recurso ao qual recorrer.
As famílias e as escolas terão de escolher o caminho a seguir, mas é bom lembrar que apostar na educação que ensina e estimula a competitividade é investir na permanência de uma característica de nosso mundo atual e deixar filhos e alunos sem outra opção, submetidos a um único estilo de viver. Isso significa limitar as possibilidades de escolha e, principalmente, apontar que o mundo exige uniformização e alinhamento.
Será possível viver sem ser competitivo? É claro que sim. O que precisa ser ensinado é que toda escolha exige compromisso e que, nesse mundo -como gosta de dizer o professor Julio Aquino-, há lugar para todo tipo de gente. Só é preciso que cada um encontre o seu.

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha); e-mail: roselys@uol.com.br


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