São Paulo, quinta-feira, 29 de abril de 2004
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Influenza chega mais cedo e de cara nova todo ano

Doença é preocupação em todo o mundo, pois há mutações inesperadas que causam grandes estragos; OMS prevê pandemia

KARINA KLINGER
FREE-LANCE PARA A FOLHA

A gripe de hoje nunca é a mesma de ontem. Aliás, nem a que infecta hoje uma pessoa é a mesma que porventura venha a infectá-la amanhã. A influenza, vírus da gripe, é mutante feito camaleão. Neste ano, o brasileiro enfrenta os "modelos" H3N2, H2N2 e H1N1 -nomes científicos de subtipos da influenza já aguardados pelos especialistas e cuja chegada antecipada de pelo menos um deles, o H3N2 (mais conhecido por Fujian), tem derrubado muita gente.
Esperada sempre para o outono, a influenza aportou por aqui dois meses antes, em pleno verão de fevereiro. Segundo os especialistas em gripe, o vírus está, a cada ano, chegando mais cedo. É um fenômeno freqüente no mundo que, associado à capacidade de mutação do vírus, está preocupando a sociedade médica internacional.
Apesar de controladas, algumas pequenas epidemias surgidas nos últimos anos na Ásia indicam como uma determinada variação da influenza pode esbanjar agressividade e quão frágil é a sociedade para enfrentá-la. A gripe do frango, no ano passado, é um exemplo. "Dos 30 pacientes diagnosticados, 27 morreram. E o problema acometeu jovens de 17 a 30 e poucos anos, mostrando que esse novo vírus mutante não ataca apenas os idosos, que são considerados grupo de risco", diz o virologista Edison Luiz Durigon, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo.
A influenza está sempre passando por mutações de dois tipos. Há as de menor grau, que acontecem a cada outono-inverno e são menos preocupantes, mas podem escapar da imunidade conferida pela vacina. É o caso do Fujian, que pegou americanos e europeus de surpresa no ano passado e no começo deste. Como resultado, o número de internações triplicou e o de mortes dobrou. A contaminação envolveu também quem já havia recebido a vacina contra a gripe.
Feita com antecedência, a imunização é eficaz apenas contra os subtipos que circularam com mais freqüência no inverno anterior, mas não está preparada para combater toda e qualquer mutação que apareça de supetão.
"O que prova que as mutações da influenza não são tão controláveis", diz o geriatra João Toniolo Neto, da Universidade Federal de São Paulo e estudioso do vírus da gripe. O problema cresce em importância quando a mutação é do segundo tipo: de grandes proporções, que são as responsáveis pelas pandemias -epidemias que acometem o mundo todo. Essas mutações são cíclicas (ocorrem a cada 20, 30 ou 40 anos) e, em geral, envolvem a transmissão entre espécies animais como aves e porcos.
A última pandemia surgiu na China, em julho de 1968. Batizada como gripe de Hong Kong, disseminou-se para Taiwan, Filipinas, Cingapura e para o Vietnã. Depois chegou à América do Norte, à Austrália e à Índia e, finalmente, em 1969, aportou na América do Sul.
Já a ameaça de pandemia mais recente foi a gripe das aves, em 1997. Para conter o vírus que infectou 18 pessoas em Hong Kong, matando seis delas, o governo sacrificou 1,5 milhão de frangos, agente transmissor da doença.
E por que as notícias de surtos de gripe sempre vêm dos países asiáticos? É que a influenza incide com mais freqüência nas aves e nos suínos, além do homem, e na Ásia tais animais são bastante presentes na culinária e na atividade econômica.
Uma nova pandemia está sendo esperada para 2008, no máximo 2017, e o número de vítimas pode chegar a 60 milhões de pessoas, diz Toniolo. A Organização Mundial da Saúde possui um plano de prevenção que está sendo implantado em todos os países, inclusive no Brasil. "A idéia é pensar com antecedência que grupos serão priorizados, que tipos de médico estarão disponibilizados e o estoque de medicamentos e de vacina, por exemplo", conta a virologista Marilda Siqueira, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, uma das três instituições credenciadas pela OMS no Brasil.
Mas as pessoas não devem sofrer por antecipação. "A pandemia é uma realidade que poderá ou não acontecer", diz a cientista.
Sem pandemia, a gripe afeta hoje 10% da população mundial. No Brasil, causa entre 10 mil e 15 mil mortes, em geral, de idosos e portadores de doenças crônicas, grupos mais suscetíveis a complicações decorrentes da infecção viral.
As mutações são sempre novas, mas os sintomas são sempre os mesmos e já derrubavam o homem séculos atrás -há relatos de epidemia anteriores a 500 a.C. Apesar disso, nem todos sabem que uma mesma gripe não ataca duas vezes a mesma pessoa.


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