São Paulo, quinta-feira, 29 de maio de 2008
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saúde

cheiro de corpo

Os odores que exalamos podem causar atração ou repulsa, além de indicar distúrbios; entenda como isso ocorre e saiba quais são os mecanismos do olfato

IARA BIDERMAN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL

E m uma sociedade perfumada e desodorizada como a nossa, às vezes é difícil definir e até reconhecer os cheiros produzidos por nosso corpo. Eles não são, necessariamente, algo a ser disfarçado com produtos de higiene, embora estes também tenham a sua função de transformar o que captamos por meio do bulbo olfativo em sensações agradáveis.
Mas os odores corporais vão muito além da perfumaria. Eles são a expressão de substâncias químicas voláteis presentes no organismo, que podem tanto indicar a presença de algum distúrbio como gerar reações primitivas e não racionais de atração ou repulsa.
Os especialistas conseguem explicar melhor os mecanismos de cheiros considerados desagradáveis, como a bromidrose (odor provocado pela ação de bactérias no suor). Já os odores corporais considerados agradáveis são mais difíceis de explicar.
O cheiro do bebê , por exemplo, tem causas difíceis de definir, mas efeitos poderosos e sensíveis. Ele estimula a produção de oxitocina, "o hormônio do afeto e das relações doces e puras", de acordo com a endocrinologista Vânia Assaly, da International Hormone Society. Relacionada às contrações do parto e à produção de leite na amamentação, a oxitocina é responsável pela sensação de prazer que a presença de um bebê traz -sensação especialmente forte na relação da mãe com o filho, pois ela também identifica, pelo odor de sua cria, a própria identidade genética.
Além disso, a reação aos odores tem fortes componentes subjetivos e culturais. A repulsa a determinado cheiro pode estar ligada à memória olfativa individual, que associa o odor a situações ruins vividas. Hábitos socioculturais podem, ainda, determinar o grau de aversão ou atração a certos cheiros.
Características genéticas também podem fazer com que as pessoas tenham uma percepção diferente dos cheiros, diz Bettina Malnic, professora do Instituto de Química da USP (Universidade de São Paulo). "Um estudo recente mostrou que pessoas com um gene que havia sofrido mutação consideravam agradável o cheiro da androesterona, substância derivada da testosterona e presente no suor e na urina. Já as com o gene normal achavam o odor desagradável."
Para entender melhor o que acontece com os odores corporais e por que exalamos diferentes cheiros, a Folha consultou especialistas de diferentes áreas -endocrinologistas, dermatologistas, nutricionistas e especialistas em perfumes, entre outros. Leia a seguir suas explicações para 15 dúvidas sobre os cheiros do corpo.

1. Todo suor tem cheiro?
Apenas o suor produzido pelas glândulas apócrinas causa mau cheiro. Este ocorre quando as bactérias naturalmente presentes na pele entram em contato com as proteínas e gorduras que fazem parte da composição desse suor, causando o odor desagradável conhecido como bromidrose.

2. Por que os adolescentes costumam ter odores corporais mais acentuados?
A partir da puberdade, começam os primeiros picos de esteróides -hormônios sexuais produzidos inicialmente na glândula supra-renal e depois nos ovários e nos testículos. Essa mudança hormonal também faz com que as glândulas sudoríparas apócrinas, até então inativas, comecem a funcionar. Localizadas nas axilas e na região genital, essas glândulas produzem o tipo de suor que, em contato com as bactérias da pele, causam o mau cheiro.

3. Mulher tem cheiro diferente de homem?
Na mulher, os odores corporais oscilam em relação ao ciclo menstrual. Há fases que propiciam o aumento de uma bactéria natural da flora vaginal e do ácido lático, protetor da vagina. As secreções produzidas nesse período têm um odor típico, diferente do produzido em outras fases, mas que é normal. No homem, a maior concentração de androsterona (substância derivada da testosterona) no suor e na urina causa um odor característico.

4. O cheiro interfere na atração sexual?
Teoricamente, a mulher na fase fértil pode transmitir um cheiro que informa ao homem que está mais receptiva ao sexo. Estudos também sugerem que elas seriam capazes de identificar, pelo "cheiro", homens com perfil imunológico complementar ao delas. Esse seria o odor dos feromônios, substâncias ligadas ao reconhecimento sexual. Trata-se de um mecanismo comprovado entre os animais mamíferos, que garante filhos mais fortes.
Em humanos, o tema é polêmico. Isso porque a identificação dos ferômonios é feita por uma estrutura chamada órgão vomeronasal. Embora nós tenhamos essa estrutura, acredita-se que ela seja só um resquício de nossos ancestrais, sem função atual.

5. Existe cheiro de bebê?
O suor do bebê vem das glândulas écrinas e, portanto, não produz cheiros perceptíveis. Mas há um odor de bebê, difícil de definir, que cada mãe consegue identificar como o de seu próprio filho.
O provável cheiro de bebê é relacionado às sensações causadas pela oxitocina -hormônio em que a mulher fica como que embebida na relação de cuidado e amor com sua prole. Uma grande quantidade de oxitocina é liberada durante o trabalho de parto e a amamentação. O hormônio é detectado por receptores do centro emocional do cérebro, o sistema límbico, e produz sensações de conforto e prazer. Pesquisas apontam que a oxitocina tem um papel central na criação de vínculos entre a mãe e sua prole.

6. Por que perfumes "pegam" mais em algumas pessoas?
A fixação do perfume varia de acordo com o tipo de pele. Ele se fixa melhor nas peles oleosas do que nas secas. Quando o extrato córneo (superfície da pele) é mais grosso, a fixação é menor. Em quem sua muito, o perfume também se fixa menos: o suor dilui as essências antes de elas penetrarem na pele.

7. Os odores corporais mudam com o tempo?
No envelhecimento, a diminuição da produção dos hormônios sexuais faz com que os odores corporais sejam diferentes. A alteração dos níveis de líquidos corporais também pode influenciar o cheiro. Além disso, podem surgir odores relacionados a doenças específicas, mais prevalecentes na população mais velha.

8. Existe cheiro de doente?
Em qualquer idade, doenças causam mudanças nos odores exalados pelo corpo. São características as infecções de garganta, alterações digestivas e halitoses. Micoses, principalmente nos pés, também causam odores característicos. Outras doenças que se manifestam pelo cheiro são as ginecológicas e as renais. A insuficiência renal produz o odor urêmico, causado pela alta concentração de uréia no organismo.
Infecções vaginais também eliminam odores típicos. Na mulher, eles se tornam mais perceptíveis após a menstruação ou a ocorrência de relação sexual. Nestas ocasiões, o pH vaginal se torna mais básico, facilitando a liberação do odor produzido por bactérias.
Doenças da tireóide interferem na produção das glândulas sudoríparas, mudando indiretamente o odor.

9. O nosso cheiro depende do que comemos?
Algumas comidas influenciam o cheiro que exalamos. Mas é um efeito transitório: dura o tempo necessário para a metabolização e eliminação das substâncias responsáveis pelo odor. Em muitos alimentos, essa eliminação é mais perceptível no hálito. Mas há alguns que também são exalados pelo suor. Os que mais causam esse efeito são os que contêm enxofre, como o alho e a cebola. O consumo excessivo de proteínas aumenta a produção de amônia, que se manifesta em um suor com cheiro mais intenso. Dietas com grande restrição de carboidratos também podem modificar os odores corporais. Nesses regimes, a escassez da principal fonte energética do corpo faz com que as reservas de gorduras sejam utilizadas para gerar energia. O metabolismo acelerado de gorduras produz substâncias chamadas corpos cetônicos, causadoras de um odor característico. Esse processo também pode alterar o odor corporal de diabéticos.

10. Remédios influem nos odores do corpo?
Uma substância usada contra a dor, chamada DMSO (dimetilsulfóxido), aplicada com soro, produz um odor corporal forte, por causa do enxofre, que costuma durar alguns dias. Algumas substâncias usadas na quimioterapia também podem influir no cheiro do corpo.
Além disso, as vitaminas do complexo B e o zinco em grandes quantidades mudam o cheiro exalado.

11. A hiperidrose afeta o cheiro do corpo?
A hiperidrose é a produção excessiva de suor, provavelmente por predisposição hereditária, mas sem causa definida. Ela se manifesta em áreas localizadas do corpo, como palma das mãos, planta dos pés, faces ou axilas. Em regiões como as mãos ou a face, onde não há glândulas apócrinas, não causa necessariamente mau cheiro. De qualquer forma, ao aumentar a umidade da pele, o problema propicia o crescimento de bactérias e fungos que podem causar odores ruins. Quando os sintomas são intensos, o tratamento é cirúrgico. Também é aplicada toxina botulínica, mas seus efeitos são passageiros -duram de seis meses a um ano.

12. O que causa o mau hálito?
O sintoma pode ter inúmeras causas. Mas, em geral, há um fator comum: as bactérias proteolíticas. Presentes naturalmente na língua, elas ajudam a "quebrar" as proteínas existentes no local, liberando pela boca um derivado do enxofre, de odor desagradável.
Assim, quem consumir muita proteína (como carnes e laticínios) e não limpar bem a língua proporcionará um ambiente adequado a essas bactérias e terá mau hálito. O consumo de álcool e de alimentos muito quentes, salgados ou condimentados e o fumo causam o ressecamento e a descamação da mucosa bucal, cujas células, ricas em proteína, se depositam na língua. Nesses casos, uma boa higiene bucal feita também com um limpador lingual pode melhorar o quadro.
Mas existem também as causas patológicas, dentre as quais a mais comum é a hiposalivação -a falta de saliva leva ao ressecamento e à descamação da mucosa bucal. Já os problemas de estômago representam apenas de 3% a 5% dos casos de mau hálito e costumam estar relacionados ao refluxo gastroesofágico, que leva o paciente a exalar um cheiro de vômito.

13. Quando sentimos medo exalamos um odor diferente?
Situações de estresse interferem no odor exalado pelo corpo de duas formas. Ao mesmo tempo em que aumentam a produção das glândulas sudoríparas, liberam uma série de hormônios no sangue, que serão exalados junto com o suor, mas nem sempre são perceptíveis.

14. desodorante é igual a antiperspirante?
Não. O desodorante, além de ter aromas que mascaram o cheiro, tem substâncias anti-sépticas, que combatem a ação das bactérias, e compostos que absorvem as secreções. O antiperspirante inibe a produção das glândulas sudoríparas, obstruindo o poro por onde sai o suor.

15. O que gera o chulé?
O mau cheiro nos pés é causado pela proliferação de bactérias e fungos, que podem estar presentes na pele ou ser adquiridos no ambiente. Esses microorganismos se desenvolvem quando encontram um meio de cultura propício: quente, úmido e escuro.
Embora o pé não tenha glândulas sudoríparas apócrinas, a umidade causada pelo suor associada a hábitos como o uso de sapatos fechados favorece o surgimento de infecções e micoses que produzem o cheiro desagradável.


Fontes: ANDRÉ CAVALCANTI, urologista da Sociedade Brasileira de Urologia; BETTINA MALNIC, professora do Instituto de Química da USP (Universidade de São Paulo); CLÁUDIO BONDUKI, ginecologista da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo); DAIANE ROCHA, presidente da ABPO (Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas dos Odores da Boca); FÁBIO PINNA, médico do grupo de rinologia do HC (Hospital das Clínicas) da USP; GABRIELA PEREIRA DA COSTA OLIVEIRA, nutricionista do Ganep Nutrição Humana (SP); LUIZ EDUARDO VILLAÇA LEÃO, chefe do departamento de cirurgia toráxica da Unifesp, especialista em cirurgia para hiperidrose; MAURÍCIO DE SOUZA LIMA, hebiatra do HC da USP; OSMAR MONTE, endocrinologista, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia - Regional São Paulo; RENATA ASHCAR, autora do "Guia do Perfume" (ed. Duetto); SOLANGE PISTORI TEIXEIRA, dermatologista da Unifesp; VÂNIA ASSALY, endocrinologista e nutróloga, membro da International Hormone Society


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