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outras idéias
Decadência Dentária
Gilberto Felisberto Vasconcellos
Desde menino atazano-me em
divã de dentista, supondo que a
conservação dos dentes depende
de uma boa escovada com fio
dental.
Engano.
A escova de dentes foi inventada por volta de 1780, mas antes
disso povos primitivos da América, África e Pacífico tinham dentes ótimos.
É impossível encontrar dentadura que seja perfeita nas damas
e cavalheiros das atuais sociedades civilizadas, sobretudo depois
da Renascença e do aparecimento da imprensa. Com a agricultura, a cárie surge no período neolítico da humanidade, mas é a cárie
ainda de leve.
Em numerosas caveiras e crânios pré-históricos, há pouquíssima incidência de cárie, assim como neles foi encontrada uma excelente articulação dos dentes superiores com os inferiores, para
não dizer a ausência de paradentose que arruina a gengiva.
Múmias egípcias não mostravam sinais de tártaro.
A degeneração dos dentes é o
resultado da maneira como o homem moderno se alimenta. É
mais o alimento e a sua mastigação do que a higiene dentária.
Carnívoros, os esquimós não tinham em seu léxico a palavra "cárie" e nunca fizeram uso de escova de dentes.
A higiene da boca não é o recurso mais importante para evitar as ruínas dos dentes. Nem escova, nem pasta de dente. O mais
importante na saúde dentária é a
simbiose da qualidade da cozinha
com o ato da mastigação. Do fogão à privada.
A principal razão de ser do
dente é mastigar, mastigar sempre, pois o desempenho fisiológico condiciona a morfogênese.
Quanto maior a trituração dos
alimentos, mais rara a cárie.
A tendência nos últimos tempos é nos engazoparmos de papinhas, mingaus, sucos de frutas,
conservas, pão macio molhado
no café com leite, dispensando o
prazer da mastigação, da manducação. Engolimos tudo às pressas.
Self-service. Bandejão. Quilinho.
O mundo inteiro imita o divórcio do talher made in EUA, isto é:
a separação do garfo e da faca.
Come-se cada vez mais com as
mãos. É o reinado absoluto do
sanduíche.
A decadência dentária está
vinculada aos alimentos descorticados e desnaturalizados. Alimentos artificiais. O exemplo do
pãozinho é bastante significativo
da mudança operada nos últimos
séculos. O processo empregado
em sua fabricação facilita o trabalho da mastigação.
Do pãozinho vai se eliminando
a farinha completa, sendo assim
empobrecida em suas albuminas,
vitaminas e sais. Muito pão chamado de pão integral é fajutado.
A alimentação desnaturada corrói os dentes. Eis o melancólico
destino da boca no mundo moderno: ou "smile" prótese ou ruína-banguela.
GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS é professor de ciências sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e autor de "O Príncipe da Moeda" (ed. Espaço e Tempo), entre outros
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