São Paulo, quinta-feira, 30 de abril de 2009
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"Não há como rastrear o abusador"

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Com "Eu Não Sou Doente" (ed. Arx), publicado em 20 países e elogiado por publicações estrangeiras, a norte-americana Julie Gregory (www.ju liegregory.com) começou a passar sua vida a limpo por meio da literatura.
Porém, depois do segundo livro, "My Father's Keeper", ela decidiu mudar de rumo e partir para a ficção. "Estou escrevendo algo divertido dessa vez, sobre amor, sexo e relacionamentos ruins", afirma a escritora.
Abaixo, leia trechos da entrevista de Gregory à
: (DM)

 

FOLHA - Além de ter sido vítima de MBP, você vivenciou uma infância com pais violentos, como conta em seus livros. De que maneira conseguiu sobreviver a isso?
JULIE GREGORY
- É o que as crianças fazem, elas sobrevivem. Algumas delas são afetadas de modo tão grave que se veem limitadas em seu potencial quando se tornam adultas. Podem, por exemplo, desenvolver dependência química ou eleger outras pessoas violentas para continuar a ser abusadas por elas.
No meu caso, acho que consegui superar meu passado para fazer o que faço agora, ajudar as pessoas e, espero, contribuir para o fim de abusos como os sofridos pelas vítimas de Munchausen por procuração.

FOLHA - "My Father's Keeper" mostra uma vida condicionada pelo problema psiquiátrico de seu pai. Você crê que isso tenha ajudado no aparecimento da MBP em sua família?
GREGORY
- Se um de seus pais é absolutamente problemático, o outro é quase ou tão problemático quanto, ao decidir ficar com ele. O fato de meu pai ter seus próprios problemas com a realidade, por conta da esquizofrenia paranoide, facilitou para minha mãe apagar seus vestígios e afastar os questionamentos que apareciam quando meu pai lhe indagava por que todas as crianças da casa estavam doentes.

FOLHA - O livro será lançado em português?
GREGORY
- Estou trabalhando para que isso aconteça. Algumas das cartas mais bonitas e comoventes que recebi vieram dos meus leitores brasileiros de "Eu Não Sou Doente". As emoções e a profundidade dessas mensagens me fizeram chorar.

FOLHA - Você dá consultoria e ajuda às vítimas de MBP. Qual a maior dificuldade para combatê-la?
GREGORY
- Não há nenhum órgão que centralize o número de casos de MBP, então não há números precisos sobre sua ocorrência. O que se sabe é que, por causa da dificuldade em flagrar os abusadores, estima-se que esse tipo de crime aconteça com frequência muito maior do que se imagina.
Hoje, não há como rastrear o abusador. Se um hospital não fizer um exame invasivo ou uma cirurgia, ele pode ir a outro na mesma rua e conseguir o que deseja. Essa falta de cruzamento de informações conspira a favor do perpetrador da MBP. Seria fantástico se os hospitais pudessem ter um banco de dados de casos suspeitos do abuso e outras instituições de saúde pudessem ver a história dos pacientes.
As instituições locais de defesa da criança muitas vezes não têm meios para identificar um abusador astuto. Se eles conseguem enganar um médico, eles podem enganar um agente de proteção infantil, certo? São muito bons manipuladores.
Outro fator importante é ajudar as pessoas a entender que algumas mulheres são psicopatas. Elas já o eram antes de ter seus filhos, e isso não muda com a maternidade. Se elas encontram um marido passivo, o caminho fica livre para esse tipo de abuso.


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