São Paulo, terça-feira, 30 de agosto de 2011
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NEURO

SUZANA HERCULANO-HOUZEL - suzanahh@gmail.com

Para que brincar?

Brincadeiras brutas expõem os filhotes a algum estresse, com o qual eles vão aprendendo a lidar Meu filho fez aniversário e em comemoração combinamos que quatro amigos dele viriam para uma festa do pijama aqui em casa.
Foi ótimo: comeram piz-za, jogaram Nintendo Wii, brincaram horas com seus "beyblades" [brinquedo japonês]. E depois, como eu esperava, pediram para dormir na sala, com o sofá-cama aberto, cercado de colchões retirados das camas.
O curioso, contudo, foi o que aconteceu quando lhes entreguei as camas prontas: em instantes estavam os cinco meninos de oito anos amontoados no sofá, rolando uns sobre os outros.
Se não estivessem às gargalhadas, eu poderia achar que estavam brigando. Mas era uma cena que eu já havia visto várias vezes no laboratório, e comentei com meu marido, no quarto: "Temos uma ninhada de ratinhos brincando no sofá!".
Pois é, filhotes de rato brincam e riem em ultrassom durante a brincadeira. Filhotes de elefante rolam na lama; cachorrinhos e filhotes de leão se amontoam, mordendo-se nas orelhas, em brigas de mentira.
Brincadeiras são alavancadas pela atividade nas alturas do sistema de recompensa do cérebro, que na infância faz qualquer coisa parecer interessante. Daí deve vir o "modo de autoentretenimento" que é quase universal entre filhotes, capazes de passar horas em seu próprio mundo.
Mas para que serve empenhar tanta energia em brincadeiras? Não deve ser para treinar habilidades de caça, pois hienas, gatos e leões que não brincaram tanto na infância caçam tão bem quanto os irmãos -embora os que brinquem mais tenham mais chances de sobreviver até a idade adulta e chegar a ela com melhor coordenação sensório-motora.
Além disso, o cérebro dos animais que exploram seu ambiente durante brincadeiras cresce mais rápido.
Igualmente importante parece ser o efeito da brincadeira de criança sobre a regulação do estresse.
Ratinhos criados em isolamento ou com irmãos sedados demais para brincar se tornam adultos ansiosos e estressados. Em situações ameaçadoras, os animais que não brincaram na infância são mais dados a arroubos de agressividade ou, ao contrário, a se esconder.
O mesmo acontece com primatas, humanos inclusive. A brincadeira bruta expõe a pequenos estresses, com os quais os filhotes vão aprendendo a lidar desde cedo. Assim, quem sabe um dia eles possam considerar seus problemas de adultos "brincadeira de criança".

SUZANA HERCULANO-HOUZEL é neurocientista, professora da UFRJ e autora do livro "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (Sextante) e do blog www.suzanaherculanohouzel.com



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