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coluna social
ELKA ANDRELLO E ADRIANA DA GLÓRIA - FREE-LANCE PARA A FOLHA
Escritor da periferia quer salvar pela cultura
Quando não está escrevendo, Ferréz se dedica ao
1 da Sul, movimento cultural criado por ele no
Capão Redondo, um dos lugares mais violentos do mundo. O movimento, entre outras coisas, apresenta livros a quem acha ler uma chatice. O escritor Ferréz, leitor de HQs, de ufologia e de autores clássicos, driblou a falta de oportunidade da periferia, onde mora, e
hoje se destaca como escritor paparicado pela mídia.
Ele leva, com talento, a realidade dos excluídos para a
casa das pessoas. Em seu romance de estréia, "Capão
Pecado", conta na lata a vida cruel da periferia para leitores corajosos.
Folha - Quando você começou a escrever?
Ferréz - Aos 12 anos. Escrevia contos e poesias e gostava de ler revista em quadrinhos. Aos 16, comecei a ler livros porque os quadrinhos acabavam muito rápido.
Folha - Quais os seus autores favoritos?
Ferréz - Hermann Hesse, Gorki, Flaubert. Dos autores
nacionais, eu gosto do João Antônio e do Plínio Marcos.
O João Antônio era muito fã do Lima Barreto, dedicou a
ele todos os seus livros e, no fim da vida, alugou um
apartamento onde o Lima Barreto morou e morreu.
Folha - E o que você está lendo agora?
Ferréz - Cinco livros de ufologia. Leio para me distrair.
Não gosto de ler livros que falam sobre o que eu escrevo.
Folha - Como é a escola na periferia?
Ferréz - Um lixo. Os professores são mal informados, e
o aluno não procura informação. Ele não acredita nele.
Acho que sou defeito de fabricação. O que me salvou foi
comprar livro, ver documentário e escrever. Enquanto
os meus amigos saíam à noite para curtir, eu ficava em
casa vendo documentário na TV. A cultura me salvou.
Folha - Onde você escreve?
Ferréz - Sempre em caderninho. No micro, parece que
as idéias somem, só depois passo para o computador.
Folha - Quanto tempo levou para escrever o livro?
Ferréz - Demorei quatro anos. Escrevi todo à mão.
Quando comecei, as pessoas perguntavam onde elas estavam no livro. Percebi que queriam aparecer. Meus
amigos pediam para aparecer com uma "mina da hora",
como jogador de futebol, vencendo na vida. Eu falava
que estava escrevendo do jeito que as coisas são. Aí eles
diziam que, se fosse assim, só ia ter desgraça. O livro é
uma colcha de retalhos. Escrevi com raiva, tomando café à noite. Quando estava pronto, alagou a casa, e perdi o
original. Peguei os rascunhos e reescrevi tudo.
Folha - Você tinha emprego?
Ferréz - Fiquei três anos sem trabalhar. Procurei emprego de tudo, até de faxineiro, mas eles não aceitaram
porque eu tinha o segundo grau e era muito qualificado.
Para empregos melhores, eu era desqualificado.
Folha - Como surgiu a idéia do 1 da Sul?
Ferréz - Como uma brincadeira do dia da mentira, era
1º de abril de 99. Falei para os meus amigos que eu tinha
um movimento cultural. Eles acreditaram. Aí, falei que
era brincadeira, que o movimento era com eles e que era
só a gente fazer. Deu certo. Na Páscoa deste ano, nós distribuímos 600 ovos para as crianças daqui, comprados
com o nosso dinheiro. Deixei de comprar um fusquinha
e outro computador. Já fizemos palestra na Febem e vamos em escolas da periferia para estimular a leitura.
Conto a história da madame Bovary como se ela fosse
minha amiga na França. No final, conto que li em um livro sem sair do Capão.
Folha - O 1 da Sul tem projetos comerciais?
Ferréz - Tem uma divisão que vai virar a empresa Marco Zero Ilustrações. A equipe vai fazer aerografia em tudo, no computador, na moto, no capacete. Qualquer
projeto visual.
Folha - Você trabalha em mais algum lugar?
Ferréz - No meu próximo livro ("Manual Prático do
Ódio"), que vai sair no ano que vem, tenho uma coluna
na revista "Caros Amigos" e escrevo para o site NO.com.
Folha - Quantas cópias do "Capão Pecado" foram vendidas?
Ferréz - Já vendi 5.000 cópias. Ganho 8% de cada livro.
Neste país, compensa mais vender livro do que escrever.
Doei quase tudo o que recebi. Patrocinei um CD, e o restante ficou para fazer o Literatura Marginal.
Folha - O que é isso?
Ferréz - Um projeto contra livraria, de produtos para
serem vendidos só em banca de jornal e feitos por autores considerados marginais. Vamos começar fazendo
uma revista com CD, sai no semestre que vem.
Folha - Por que você se dedica a projetos como esses e
aplica todo o seu dinheiro nisso?
Ferréz - O salário do pecado é a morte. Os caras viram
artistas e ficam vaidosos. Não quero entrar nessa. Procuro fazer a minha parte. Olhar para o lado e não deixar o
meu irmão ser um espelho quebrado sem imagem, que
não reflete nada. Já vi muito espelho quebrado. Gente
que não tem apoio nem da mãe. Tem que dar estímulo.
Folha - Como você se sente no meio da injustiça social?
Ferréz - Só quem está passando pelo sofrimento vai
saber enfrentar a guerra quando ela chegar. Cada moleque no farol que passa despercebido volta com o estilete
amanhã. Ou você olha para o outro ou ele vai querer o
que você tem. É foda viver num país que tem uma TV
que não mostra o seu povo. Inaugurou em São Paulo a
joalheria Tiffany, lotada, e deste lado tem gente tomando sopa de farelo porque não tem o que comer. Eu tenho
raiva.
Nome: Ferréz, 25 anos
Disfarce: escritor
Missão: levar cultura para os moradores do Capão
Redondo, zona sul de São Paulo
Poderes especiais: divulgar a realidade da periferia
Armas: livros, caneta e papel
Inimigo: a injustiça social
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