Índice geral Especial
Especial
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Opinião

Onde novos baianos se juntam aos novíssimos africanos

XICO SÁ
COLUNISTA DA FOLHA

Ao atravessar galerias e flanar por calçadões e raras passagens sem automóveis, o pedestre ainda vive no velho centro de SP uma breve ilusão de cidade viável.

Dura pouco o respiro de urbanidade, mas vale o passeio nessa pequena ilha utópica onde as pessoas ainda contam mais do que os carros.

Ali o pedestre convicto, como este cronista caminhador que nunca teve um veículo na vida, curte uma bela fuga e se vê como "O Homem na Multidão", do conto do escritor Edgar Allan Poe.

Só na ilha é possível observar os viventes de todas as regiões e sotaques paulistanos.

A balconista nipo-baiana do Jaçanã que despacha na Sete de Abril, o boy da ZL que zoa diariamente com o homem-sanduíche na Barão de Itapetininga, a paciência dos relojoeiros das pequenas galerias. Há também os tiozões roqueiros no garimpo de vinis na avenida São João e os tarados de todos os credos que penetram sorrateiros nos últimos cinemas pornôs.

É no centro que os novos baianos se juntam aos novíssimos africanos para afugentar o banzo nos botecos da praça Júlio Mesquita. Por muito tempo, anos 1990, morei no Lux Hotel, nessa área.

Na época, esse epicentro cosmopolita, que revela o mundo todo que é São Paulo, era reduto dos ciganos.

Só os vampiros não se aproximam. Nem mesmo os que habitam os sótãos e pardieiros do pedaço. É que o alho do Filet do Moraes recende a quilômetros.

Come-se muito bem e sem a frescura da "gastronomia de arte" no miolo central da cidade. Encontramos os pratos que andam desaparecendo do cardápio clássico, como o fígado à lisboeta, a língua ao molho de madeira e a dobradinha à moda do Porto.

O centro velho também é um espaço de fuga dos shoppings centers, esses Carandirus do consumo que viraram a marca de SP. Como se não bastasse, tudo sai mais em conta no comércio de rua.

Ao flanar na região, você pode encontrar o poeta Giovani Baffo, defendendo o seu lado e o seu bolso na vizinhança das grandes galerias.

É uma das mais completas traduções da cidade. Repare nos seus versos: "Em casa de menino de rua/o último a dormir/apaga a lua".

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.