São Paulo, 2 de outubro de 1999

Bardi morre antes do século


IVAN FINOTTI
da Reportagem Local

Pietro Maria Bardi, criador do Museu de Arte de São Paulo (Masp), morreu de parada cardiorrespiratória minutos antes das 6h de ontem. Ele completaria 100 anos em fevereiro de 2000.
Italiano naturalizado brasileiro, Bardi morreu em seu quarto na Casa de Vidro, residência projetada por sua mulher, Lina Bo Bardi (1914-92), e construída em 1950 no Morumbi, em São Paulo.
O velório começou às 18h de ontem no Grande Auditório do Masp, principal museu brasileiro, que Bardi presidiu entre 1947 e 1990. O corpo deve sair da avenida Paulista às 9h de hoje em direção ao Crematório Municipal da Vila Alpina (região sudeste), onde será cremado.
Durante o velório, o caixão estava ladeado por duas obras do acervo: “A Ressurreição de Cristo”, de Rafael, o único quadro do pintor renascentista na América Latina, pelo qual Bardi tinha um carinho especial, e “Virgem em Majestade”, de Maestro del Bigallo, sua última doação ao museu.
A morte de Bardi foi notada por uma das três enfermeiras que o acompanham desde que sua mulher morreu, há sete anos. O médico da família, Piero Mangineli, 85, atestou o óbito às 9h.
Segundo Mangineli, Bardi já não estava consciente há cerca de um ano. Há seis meses, passou a se alimentar por meio de uma sonda e usava cada vez mais oxigênio de cilindro para respirar. “De vez em quando, dizia uma palavra. Ele não sofreu; estava alheio”, afirmou Mangineli.
Bardi morava com sua cunhada, Graziella Bo Valentinetti, irmã de Lina Bo Bardi. “Sinto-me desamparada. Dediquei meus últimos anos a ele e ao instituto”, disse, referindo-se ao Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, que cuida do legado do casal e divide com a Casa de Vidro os 8.000 metros quadrados de um arborizado terreno no Morumbi.
A cremação teve de ser autorizada por um juiz, já que apenas ascendentes ou descendentes diretos podem conceder essa permissão. Pietro e Lina Bo Bardi não tiveram filhos.
Bardi, entretanto, teve duas filhas em um primeiro casamento, anterior à sua mudança da Itália para o Brasil, em 46. A primeira mulher, Gemma Tartarolo, e a primeira filha, Elisa, já morreram. A segunda, Fiorella, 71, que mora em Roma, foi informada da morte do pai na manhã de ontem.
As cinzas de Bardi devem ficar ao lado das de Lina Bo Bardi, em uma urna escavada em uma parede da Casa de Vidro ou do instituto. “Vamos manter em mistério o local exato”, pediu Graziella Bo Valentinetti.

Cavaletes
Bardi morreu sem saber das transformações ocorridas no Masp a partir de 1990, quando saiu da presidência do museu. Uma das mudanças, por exemplo, foi a retirada dos cavaletes de exposição de obras feitos de concreto e vidro, concebidos por Lina Bo Bardi.
“Ele achava que o Masp ainda estava como o havia deixado, que eram as mesmas pessoas. Não contei sobre as mudanças”, afirmou Graziella. “Poupei Pietro de tudo o que podia. Só contava o que era bom.”
Segundo Graziella, as conversas com Bardi eram sempre sobre o museu. Ele nunca saía para passear e trabalhava diariamente. Quando ainda era presidente do Masp, costumava se deitar após o “Jornal Nacional” e acordava às 4h.
Ainda deitado, escrevia durante horas em uma mesinha portátil que colocava na cama. Às 7h, chegava seu motorista e ia para o Masp. Voltava para casa por voltas das 13h, para trabalhar até o fim da tarde.
Em março de 1990, um mês após sua saída do museu, foi operado para a remoção de um coágulo no cérebro. Em julho de 1992, teve problemas no coração. Neste ano, foi internado duas vezes no Hospital Sírio Libanês.
“A gente estava preparada, mas nunca está mesmo”, disse Graziella. “Ele adorou este país, como a minha irmã.”

Colaborou Juliana Monachesi, free-lance para a Folha

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