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BARDI EM CINCO MOMENTOS
Bardi, história do gênio por trás
do brazilian way of life
LEON CAKOFF
da Equipe de Articulistas
Bardi foi um dos
grandes personagens da história contemporânea do Brasil.
Tinha a idade do século e é injusto que não tenha
podido comemorar a sua virada.
Reprodução
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Lina e Pietro
Maria Bardi
em 1982 |
Bardi foi a principal ferramenta de Chateaubriand para dar sentido ao
seu domínio sobre o nosso brazilian way of life, à
fartura do pós-guerra que serviu à gatunagem dos poderosos
protegidos por chapas brancas. Sem o Bardi, o império de Chateaubriand
não seria lembrado pelo Masp (Museu de Arte de São Paulo
Assis Chateaubriand), pois o resto (o império jornalístico
Diários Associados) virou pó.
E, na euforia do pós-guerra, os capitães de nossa indústria
incipiente, cujo passado também virou pó, tampouco entrariam
na nossa história, não fossem as chantagens da dupla de
criação Bardi-Chatô em extorqui-los, a fim de adquirir,
a preços de banana, as coleções de quadros de nobres
falidos na Europa. A arte do mecenato ganhava sofisticação.
Reprodução
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O Masp com
a pichação "merda", protesto feito a mando
de Bardi |
Soube tirar bom proveito do caos da guerra. Como um personagem simpático
de Rosselini. Um neo-realista sem retoques, sem a poeira dos bombardeios
na roupa e no chapéu, mas refinado, culto, muito vivo e cheio de
domínio. E, melhor ainda, acompanhado pelo gênio de Lina
Bo, a arquiteta que não se deixou deslumbrar pelo decantado Brasil
novo, que fez a consciência do astuto Bardi, aos poucos, mergulhar
na nossa realidade miserável, muito distante da euforia que nos
garantia então o status de país do futuro.
Conheceu com Lina o nordeste baiano, foi testemunha ocular e deu suporte,
até financeiro, a um talento então emergente chamado Glauber
Rocha. Criou a primeira oficina de cinema em São Paulo. Bardi e
Lina deram voz à arte popular, levaram o artesanato aos museus,
sem distinção entre o que Picasso ou Matisse faziam.
Reprodução
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Bardi e Assis
Chateaubria |
Bardi era um senhor absolutista. Amava e odiava aos que o cercavam. Tive
o privilégio de trabalhar ao seu lado, no Masp, por longos dez
anos. De 1974 a 1984.
Fui, durante todo esse tempo, o seu confidente. Bardi chamava-me todas
as manhãs para a sua sala no Masp (o professor está
chamando, dizia Dona Maria, a telefonista, pelo ramal interno),
e lá ia eu aflito, porque ia ser mais uma manhã perdida
em que ele não me deixaria trabalhar com os suas egotrips.
Mas nada foi perdido.
Fazia planos e adorava falar na primeira pessoa (eu, eu, eu) sobre as
suas bravatas e façanhas entre a Itália fascista e o Brasil.
Como Cristo, eram nebulosas certas passagens da sua vida. Mas não
no trato das suas lembranças como colaborador artístico
de Mussolini. Afinal, a Itália, com tantos monumentos e tesouros
culturais em seu passado, precisava de conselheiros também sob
o fascismo.
Desenvolvemos juntos o sonho de filmar a vida de Chatô e chegamos
a consultar o Chacrinha para o papel, e ele aceitou.
Adoniran Barbosa e o Corinthians foram outros projetos que não
deram certo, mas a influência de Lina guiava os seus pensamentos.
Nem tudo, porém, era harmonia entre os dois. O tempo parecia separá-los
ideologicamente. A escada do Masp, do térreo ao primeiro andar,
tinha, na cabeça da Lina, a função de um palanque
político. Bardi odiava o conceito, mas tocava no assunto como sendo
idéia de uma moleca, com carinho.
Bardi adorava reclamar dos outros e xingar de merda a mediocridade
daqueles com quem devia tratar para inventar dinheiro para os seus projetos
faraônicos e para o Masp. Até que um dia chegou ao seu museu,
pouco antes das oito da manhã, e encontrou o muro pichado com propaganda
política. Não teve dúvidas. Mandou um contínuo,
de brocha na mão, escrever merda em cima do nome de
todos os candidatos.
Conseguiu o que mais queria: virar notícia dizendo simplesmente
a sua palavra preferida.
Os anos Bardi no Masp foram fundamentais. Aprendi com ele que uma pessoa,
à medida que envelhece, só faz acentuar o que ela realmente
tem de bom e de ruim no seu caráter.
Bardi ficava cada vez melhor e cada vez pior. Era um gênio em constante
ebulição. Tinha momentos em que me adorava, logo substituídos
por furores descontrolados.
Dava carta branca para o departamento de cinema (o meu departamento, o
departamento do eu sozinho), mas ficava irado quando via na
imprensa a repercussão da programação de cinema para
os auditórios do Masp. Dizia que era injusto, que as suas exposições
tinham menos repercussão, o que, claro, nunca era verdade.
Depois de quatro anos juntos _ era o começo de ano de 1977_, Bardi
me chama para um pedido: Inventa aí uma coisa para outubro,
o aniversário dos 30 anos do Masp. Inventei a Mostra Internacional
de Cinema. Não vai dar certo, disse.
Já conhecia o Bardi o suficiente. O seu não vai dar
certo era, mais que tudo, uma provocação para motivar
os seus colaboradores. Tive que provar por sete anos seguidos que poderia
dar certo. A Mostra do Masp cresceu tanto que, para a sua salvação,
teve que deixar o Masp. Com a sua independência, a Mostra se salvou,
mas perdeu para sempre o seu presidente de honra.
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