São Paulo, 18 de Setembro de 1994

Para autor, marxismo estava longe
da ciência

JESUS DE PAULA ASSIS
Da Equipe de Articulistas

Karl Raimund Popper (nascido em Viena, em 28 de julho de 1902) é um filósofo quase impossível de classificar. Visto sob a ótica dos anos 60 e subsequentes, aparece como autor de um sistema filosófico envelhecido, incapaz de se acomodar à moderna crítica que se faz da racionalidade científica. Já no plano político, ele renasce, à custa da derrocada do stalinismo como tentativa de pôr o marxismo em marcha.
No início de sua carreira, nos anos 30, ele foi o mais rigoroso crítico dos filósofos do chamado Círculo de Viena, cujo programa visava a encontrar uma base sólida para fundar as ciências naturais.
Crítico deles, a verdade é que Popper, apesar de tudo, manteve com o Círculo tantos pontos em comum que, com a voga de novas teorias da ciência na década de 50 (Hanson, Feyerabend, Kuhn), suas alegações acabaram parecendo menos arrasadoras do que o foram na época em que as formulou. As diferenças acabaram sendo esquecidas e ele posto de lado juntamente com seus velhos adversários.

Ciência
Os filósofos do Círculo de Viena tentavam encontrar uma base para as ciências naturais partindo da idéia de corroboração. O plano consistia em tornar rigorosa uma suposição do senso comum: a de que quanto mais casos particulares confirmam uma teoria, mais chances tem ela de ser verdadeira (por exemplo, quanto mais cisnes brancos encontrarmos, mais próxima da verdade estaria a teoria que afirmasse que todos os cisnes são brancos).
Bom para o senso comum, mas mau para a filosofia, como Popper se encarregou de mostrar. Uma vez que as teorias científicas lidam com conjuntos infinitos de objetos (a teoria dos cisnes deve valer para todos os infinitos cisnes que tenham existido, existam ou venham a existir sobre este planeta), por mais que se achem casos "bons", a probabilidade de que a teoria seja verdadeira continua virtualmente nula.
Dessa forma, Popper propôs um novo critério para demarcar afirmações científicas. Embora seja impossível provar que uma teoria seja verdadeira, sempre é possível provar que ela é falsa. No exemplo acima, bastaria encontrar um cisnezinho que não fosse branco para que a teoria afundasse. Assim, o projeto popperiano de separar ciência de não-ciência funda-se na idéia de que asserções científicas, embora possam ser falseadas, não podem ser jamais provadas.
Dessa reflexão resulta toda sua filosofia. As teorias científicas não são sugeridas pelos fatos, não vêm deles. São produtos da livre imaginação humana.
Depois de formuladas, devem passar por testes que visem a refutá-las. O sucesso em testes sucessivos marca a qualidade da teoria, o que não quer dizer que ela seja verdadeira, mas apenas melhor que suas concorrentes.
Enfim, "conjecturas e refutações", par de conceitos que deu nome a um de seus livros, publicado em 1963.

Política
Mas isso é apenas o lado que diz respeito a filosofia da ciência. Sir Karl (ele foi tornado cavaleiro inglês, em 1964) também escreveu sobre política.
Depois de voltar de um estágio como professor universitário de quase uma década na Nova Zelândia e iniciar sua carreira docente na Universidade de Londres, escreveu duas obras políticas importantes: "A sociedade aberta e seus inimigos" (1945) e "A miséria do historicismo" (1957).
Em ambas, permanece a mesma base de raciocínio: não pode haver teorias verdadeiras, apenas teorias que, pouco a pouco, vão resistindo a testes. Além disso, para serem científicas, as teorias devem ser passíveis de serem falseadas. Daí, segue-se que marxismo ou psicanálise não são teorias científicas, pois suas asserções –uma dizendo respeito a toda a história, outra ao subconsciente– não têm como ser testadas e, eventualmente, provadas falsas.

Anti-marxismo
No caso do marxismo, Popper é taxativo: uma vez que não pode haver teoria do desenvolvimento da sociedade humana, é absurdo querer fazer revoluções totais em nome de um fugidio "movimento da história".
Logo, boa política se faz aos poucos, sem saltos, por reformas, sem revoluções, as quais seriam sempre autoritárias e irracionais. O sistema político ideal é aquele que minimiza os efeitos de maus líderes, não o que afirma poder escolher os melhores. Popper garante que isso é compatível com a liberdade, democracia e progresso.
No fim de contas, aparentemente superado na filosofia da ciência, que hoje quase não se ocupa de suas teorias, preferindo autores mais radicais, Popper parece renascer no quadro de neoliberalismo que pouco a pouco vai se desenhando depois da queda da URSS. Mas o seu não é um liberalismo resignado, desencantado com a impossibilidade de revoluções, mas otimista. Um popperiano vê o mundo de hoje como algo que caminha mais racionalmente que 40 anos atrás, embora muito mais devagar.



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