São Paulo, 21 de setembro de 1999

Primeira-dama teve acesso inédito ao alto escalão do poder soviético; ela se tratava de leucemia na Alemanha

Morre Raíssa, mulher de Gorbatchov

JEAN-PIERRE THIBAUDAT
do "Libération", em Moscou

Raíssa Gorbatchova, mulher do ex-presidente soviético Mikhail Gorbatchov, morreu ontem, aos 67 anos, em Muenster (noroeste da Alemanha), onde se tratava de leucemia aguda.
Desde a internação de Raíssa, em 26 de julho, Gorbatchov, 68, que governou a extinta União Soviética (URSS) entre 1985 e 91, passava todos os dias ao lado da mulher. Visivelmente fatigado, parecia não acreditar na proximidade irremediável de seu fim.
Será que Khruschov, Brejnev e Andropov, antecessores de Gorbatchov no cargo máximo da União Soviética (extinta em 1991, com o fim do regime comunista), tiveram mulheres? Sem dúvida. Mas seus rostos nunca apareciam com destaque nos noticiários.
Com o casal Gorbatchov foi diferente. O rosto sorridente e a silhueta fina de Raíssa deram a volta ao mundo. Ela foi a primeira primeira-dama da Rússia e, de certo modo, a única.
Os casos (mais trágicos e complicados) das mulheres de Lênin e Stálin pertencem a outra época. Já Naina, mulher de Boris Ieltsin, é eclipsada por sua filha, Tatiana.
Em suas "Memórias'', o líder que desempenhou um papel fundamental no desmantelamento do comunismo na Europa e na ex-URSS relata com emoção seu encontro com Raíssa Titarenko, numa residência universitária de estudantes moscovitas. Ele era estudante de direito; ela, de filosofia _marxista, é claro.
O casamento civil foi em 25 de setembro de 1953, mas a festa ocorreu em 7 de novembro, aniversário (no calendário russo) da Revolução Soviética. No início, foram obrigados a viver separados. Mas acabaram conseguindo um "quarto familiar''.
Depois de chegar ao cargo de primeiro secretário do Partido Comunista, Gorbatchov não hesitou em impulsionar a carreira de Raíssa, a quem admirava.
Mas essa presença radiosa e elegante, que tanto contribuiu para a popularidade de Gorbatchov no Ocidente, teve um efeito exatamente inverso na ex-URSS.
Pouco habituados a ver a mulher do chefe de governo ter destaque, muitos russos se sentiram chocados ao ver a filha de um ferroviário agir como se fosse uma czarina.
O gosto de Raíssa pela alta costura, numa época de dificuldades econômicas, fez com que ela se tornasse alvo de críticas. Ela introduziu a moda ocidental na Rússia, onde a moda era o modelo único de vestidinho florido.
Como outras primeiras-damas do mundo, Raíssa também atuou no âmbito social, e, sob sua influência, boa parte do orçamento da medicina foi dedicado à assistência maternal e infantil.
Atualmente, as mulheres russas ocupam um lugar maior _embora ainda limitado_ na vida política. Mas na URSS, o poder delegado às mulheres não ultrapassava determinado grau de responsabilidade. Raíssa levou a feminilidade ao primeiro escalão do Estado.
A queda de Gorbatchov atingiu duramente o casal. Quando, recentemente, Gorbatchov pediu ajuda ao chanceler alemão, Gerhard Schroeder, e ao presidente dos EUA, Bill Clinton, para sua esposa doente, o Ocidente, agradecido, lhe ofereceu os melhores hospitais. Optou-se pela Alemanha, mais próxima da Rússia.
O corpo deve ser levado a Moscou hoje, num jato especialmente enviado por Ieltsin. O funeral deve ocorrer na próxima quinta-feira. Ontem, o ex-presidente Gorbatchov não deu declarações.

Tradução de Clara Allain


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