São Paulo, 19 de Julho de 1995

Stephen Spender era
último 'filho do Sol'


SÉRGIO AUGUSTO
Da Sucursal do Rio

Lá se foi o último "filho do Sol", diria Martin Green, a propósito da morte, domingo passado, de sir Stephen Spender.
Green escreveu, há 20 anos, a mais farta narrativa sobre a geração de literatos e intelectuais que dominou a Inglaterra depois da Primeira Guerra Mundial, e lhe deu o título de "Children of the Sun". Dela, além de Spender, faziam parte Evelyn Waugh, Anthony Powell, Cecil Beaton, W.H. Auden, Christopher Isherwood, Cyril Connolly. De um lado, o esteticismo de Eton; de outro, o dandismo de Oxford.
Mas não havia só dândis em Oxford. As frivolidades espirituais e as aspirações aristocráticas não apeteciam ao pequeno grupo formado por Auden, Spender, Isherwood, Louis MacNeice e Cecil Day-Lewis (pai do ator Daniel Day-Lewis), que repudiavam os confortos da torre de marfim, para eles ainda mais sem sentido depois da devastação causada pela guerra. Ligados por amizade, simpatias culturais e, no caso de Auden, Spender e Isherwood, por afinidade sexual, tentaram de formas diversas refletir o fermento ideológico e poético dos anos 20 e 30. Spender chegou a ligar-se ao Partido Comunista, e disso deu conta em "Forwards From Liberalism", publicado em 1937. Também engajou-se na Guerra Civil espanhola (1936-1940).
Antes de lutar contra Franco, seguiu Isherwood até a Alemanha de Weimar, na época o paraíso dos homossexuais ingleses, e lá ficou de 1928 a 1933, quando o nazismo chegou oficialmente ao poder. Em seus "Diários", publicados na década passada, deixou mais ou menos claro que a opção sexual de sua geração era menos um destino manifesto do que uma válvula de escape à misoginia alimentada pelo puritanismo britânico. "Por muito tempo acreditamos que as moças eram muito difíceis, complicadas, que era impossível e proibido ter sexo com elas", escreveu Spender, que, ainda nos anos 30, interessou-se por mulheres e acabaria se casando com uma pianista, Natasha Litvin.
Auden foi o melhor poeta do grupo e Spender, o seu mais versátil intelectual. Além de poesias, arriscou-se em variados tipos de prosa (ficcional, jornalística, memorialística, teatral) e editou duas revistas culturais importantes, "Horizon" (1939-1941), com Cyril Connolly, e a internacional "Encounter" (1953-1966), com M. Lasky e grana da CIA, cuja versão brasileira se chamava "Cadernos Brasileiros". O nostálgico e autobiográfico romance, "O Templo", traduzido alguns anos atrás pela Rocco, talvez seja a única obra de Spender disponível no Brasil.
Como Ernst Stockman, o protagonista de "O Templo', Spender acompanhou a derrocada da República de Weimar. Em vez de refugiar-se na América, como Auden e Isherwood, manteve-se firme na velha Albion, enfrentando a blitz aérea dos nazistas como bombeiro voluntário e produzindo "Horizon", a seu ver "um oásis onde as artes podiam respirar com liberdade, à margem das injunções políticas".
Afinal, acabou cedendo aos apelos dos amigos e foi dar aulas em universidades norte-americanas. Sua autobiografia, "The World Within the World" (o mundo dentro do mundo) termina justamente nesse ponto. Ou seja, em 1950. A quem se interessar pelo resto não recomendo a biografia escrita por Hugh David, três ou quatro anos atrás, cheia de erros e nenhuma novidade, na opinião unânime da crítica londrina.
Com a morte de Auden, em 1973, baixou nele "uma terrível sensação de orfandade". Viveu seus últimos anos entre Londres e a Provença, na França, acompanhado de Natasha, lamentando-se da falta de sociabilidade no mundo literário inglês atual."Eram os encontros e as conversas que faziam a riqueza da vida cultural de antigamente", queixou-se numa entrevista, na qual confessava seu total desinteresse por autores contemporâneos. Estava, então, relendo o poeta romano Catulo.
E sem um pingo de remorso por ficar cada vez mais velho. Não via a velhice como um naufrágio ou a antecâmara da morte, mas como o apogeu da sabedoria. Uma sabedoria que durou 86 anos.


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