|
Novas biografias revelam a face humana de Borges
Dez anos depois de sua morte, o escritor argentino Jorge
Luis Borges (1899-1986) tem sua vida e sua obra devassadas por duas novas
biografias. Mais: uma forte controvérsia cerca a publicação de textos
inéditos que o escritor não queria ver editados em livro
JOSÉ GERALDO COUTO
da Reportagem Local
O maior escritor da língua espanhola do século, o argentino
Jorge Luis Borges, volta à ordem do dia, dez anos depois de sua
morte, ocorrida em Genebra (Suíça) em 14 de junho de 1986.
As razões desse retorno são tanto literárias como
mundanas. Enquanto se trava na Argentina um debate sobre a publicação
de textos renegados pelo autor, duas biografias recém-editadas
lançam novas luzes sobre sua controvertida figura.
Ambas foram publicadas na Espanha, mas seus autores são argentinos.
''Borges - Esplendor y Derrota'' (Tusquets Editores), de María
Esther Vázquez, é a mais pessoal e apaixonada.
A autora, que foi amiga, colaboradora e musa de Borges, assume uma postura
francamente contrária à viúva do escritor, María
Kodama. Acusa-a de ter forjado o casamento com ele (ocorrido dois meses
antes de sua morte) e de tê-lo afastado da família e dos
amigos (sobretudo de Bioy Casares).
Mais distanciado, Marcos-Ricardo Barnatán procura fazer um levantamento
exaustivo das relações entre a vida e a literatura do autor
de ''Ficções'' em ''Borges - Biografía Total'' (leia
abaixo).
Revelações
Para além das diatribes contra Kodama, o livro de Esther Vázquez
traz revelações surpreendentes _algumas deliciosas, outras
comoventes_ sobre a personalidade do escritor.
Com um invejável domínio narrativo, conta em minúcias
passagens-chaves da vida do biografado, entre elas o momento preciso em
que perdeu definitivamente a visão, lendo às escuras um
romance policial numa viagem de trem entre Buenos Aires e Mar del Plata.
O livro narra também os inúmeros amores platônicos
de Borges, invariavelmente terminados em amargura e solidão.
Revela detalhes picantes sobre a vida do escritor, como sua breve experiência
com cocaína, e até o tamanho de seu pênis _denunciado
inadvertidamente quando ele, já cego, trocou de calção
na praia do lado de fora da barraca.
Mas Vázquez _que co-escreveu com Borges ''Introdução
à Literatura Inglesa'' e ''Literaturas Germânicas Medievais''_
não deixa de lado as letras. Além de registrar as principais
leituras de seu personagem desde a adolescência, ela conta passagens
de seu relacionamento com escritores da época.
Entre estes, Pablo Neruda _a quem Borges qualificava de ''bom poeta e
má pessoa''_ e Federico García Lorca _a quem rotulou de
''andaluz profissional''.
O Borges que emerge das páginas dessa biografia, um homem que teve
suas fases de boêmio e de anarquista militante, está muito
distante da imagem asséptica e arrogante que viajou o mundo.
Seu amigo Néstor Ibarra assim o definiu uma vez: ''É a única
pessoa que leva o mundo na brincadeira e a literatura a sério''.
Vázquez mostra que talvez não seja verdade.
ONDE ENCONTRAR
Livraria Letraviva: av. Rebouças, 2.080, tel. (011) 280-7992.
|