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Borges
procurava o
sensível das cidades
Da Reportagem Local
Na arquitetura, o que mais intrigava o escritor argentino Jorge Luis Borges
(1899-1986) era a concepção de um labirinto: o mais evidente
símbolo de se sentir e estar perdido.
E, se a literatura foi um meio que encontrou para escapar do mundo, foi
por meio das viagens que negou a sua cegueira física, que avançava
com os anos. Sua maneira de escapar da escuridão, esse último
labirinto.
As cidades por onde passou, se não podia mais vê-las, aprendeu
a tocá-las de uma forma inusitada. Por meio do tempo e da cultura.
``A uns quatrocentos metros da pirâmide, me inclinei e peguei um
punhado de areia, deixei cair silenciosamente e disse em voz baixa: `Estou
modificando o Saara'.''
Esse é um dos escritos de Borges sobre o Egito, acrescentando que
a lembrança daquele dia foi uma das mais significativas de tudo
que experimentou naquele país.
As anotações de viagens do escritor são construídas
por meio de conversas com amigos, pequenos comentários e momentos
de solidão obsessiva, onde um país pode ser visitado apenas
por meio de uma afeição gratuita. Gostar e ter o prazer
das viagens significa, em Borges, estar atento às sensações.
Um exemplo é o que escreve sobre sua visita, na década de
70, ao México: ``O povo de lá é mais educado do que
o daqui. No México, ninguém levanta a voz. Em uma reunião
havia uma mulher que falava aos gritos, me aproximei: argentina.''
Assim são seus relatos sobre a Espanha, Japão, EUA ou Genebra,
a cidade que adotou no fim da vida. Visitas conduzidas por caminhadas
ou por uma companhia, que lhe explicava tudo o que não podia mais
enxergar.
As viagens de Borges são prazerosas experiências de convívio
com novos espaços: ``Meu corpo físico pode estar em Lucerna,
no Colorado ou no Cairo, mas ao despertar, ao me tornar mais uma vez Borges,
retorno invariavelmente de um sonho que ocorre em Buenos Aires (...) Pela
janela do carro é a mesma coisa passear por Nova York, Hong Kong
ou Paris.''
(Marcelo Rezende)
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