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Livro reúne ensaios regionalistas
de Borges
MARCO CHIARETTI
Da Reportagem Local
Buenos Aires foi fundada três vezes. As duas primeiras, no século
16, por grupos de espanhóis decididos a criar um porto seguro às
margens do largo estuário que chamariam rio da Prata. A terceira,
no século 20, por um poeta, crítico, professor, escritor
e polemista nascido em 1899 e morto em 1986. Jorge Luis Borges passou
sua vida "refundando-a" literariamente. Conseguiu.
Filho de pais abastados, Georgie falou inglês antes do castelhano,
morou na Europa durante a 1.ª Guerra Mundial, em sua amada Genebra
(onde está enterrado), e na Espanha, até voltar à
Buenos Aires natal em 1921. Já era poeta. Seu primeiro livro, "Fervor
de Buenos Aires", começa com um elogio aos mortos da Recoleta,
o famoso cemitério portenho, onde estão todos os pais fundadores,
a elite, os grandes. Para horror de seus compatriotas, não quis
voltar para lá.
E já era crítico, respeitado e combativo. Escrevia em jornais,
fundava revistas, dirigia grupos literários, falava em tertúlias,
brigava com Deus e todo o mundo. O jovem intelectual não era de
brincadeiras. Em 1926, julho, publicou seu segundo livro de ensaios: "El
Tamano de mi Esperanza", 24 textos recolhidos de diversas publicações,
iniciados com uma série de defesas brutais do "criollismo",
do regionalismo, da nação argentina, e mais propriamente,
do ser portenho. Como ele disse depois, "tratei de ser argentino
como pude".
Muitos anos depois, escritor famoso, quase cego, ex-diretor da Biblioteca
Nacional, conferencista requisitado, Borges se encontrou com um grupo
de estudantes e admiradores em Oxford, na Grã-Bretanha. Um dos
presentes perguntou pelos ensaios de 1926. Borges desconversou, disse
que era mentira, que o livro não existia, que esquecessem dele.
No dia seguinte, um estudante chamou-o e disse que encontrara um exemplar
na bilioteca de sua faculdade. Borges virou-se para Maria Kodama (sua
segunda mulher e curadora de seu espólio literário) e disse
que se sentia perdido. O passado o condenara.
Qual passado? Nos anos 20, Borges defendia com tal vigor o vigor do castelhano
falado e escrito em uma Argentina de poucos autores que, mais tarde, ele
mesmo desconfiou que exagerara. Nos ensaios reunidos no livro (que esperou
finalmente 67 anos para reaparecer em castelhano), mudou palavras, cortando-lhe
o "d" final: "verdad" virava "verdá",
"ciudad", "ciudá", "realidad", "realidá".
Usou neologismos. Defendeu o "criollismo".
O "criollo" argentino é o descendente de espanhóis
nascido no Novo Mundo, que decidiu brigar com seus reinóis, e em
1810 e 1816, declarar sua independência, depois de expulsar por
duas vezes os ingleses de Buenos Aires. O livro de Borges é uma
apologia desse espírito: a criação de um país,
visto por ele através do prisma da criação de sua
língua, de sua cultura, de sua alma.
Para quem mais tarde sentiria um sagrado horror pela gíria típica
do portenho, o lunfardo, o livro não poderia mesmo cair-lhe bem.
E para quem, no auge da Guerra das Malvinas, em 1982, defendia a entrega
do arquipélago à Bolívia, um país privado
de mar, as 135 páginas de "El Tamano..." deviam parecer
uma insuportável concessão ao nacionalismo.
Kodama justifica a reedição do livro proibido pela condescendência
do autor, ao autorizar a famosa coleção "Bibliothèque
de la Pléiade" a publicar alguns dos ensaios na edição
das obras completas, cujo primeiro volume saiu em maio deste ano na França.
Talvez Borges acreditasse que a versão francesa de suas fúrias
juvenis pudesse amenizar seu desencanto pelos textos. Morreu antes de
ver que os 300 exemplares da edição original não
haviam sido tragados em bibliotecas infinitas.
Título:
El Tamano de mi Esperanza
Autor: Jorge Luis Borges
Editora: Seix Barral, Buenos Aires
Onde: a Livraria Letraviva de São Paulo importa livros em
castelhano (av. Rebouças, 2.080, tel. 011/883-3279)
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