São Paulo, 19 de Maio de 1996


Biografias não coincidem



do enviado a Buenos Aires


Não são poucos os conflitos de informação e interpretação entre as duas biografias mais recentes de Borges, a de Marcos-Ricardo Barnatán (''Borges - Biografía Total'') e a de María Esther Vázquez (''Borges - Esplendor y Derrota'').
E as contradições se multiplicam quando se ouvem as declarações de personagens diretamente envolvidos na vida do biografado, como María Kodama e Adolfo Bioy Casares (leia entrevistas às págs. 5-5 e 5-6).
As principais divergências dizem respeito aos últimos anos da vida do escritor, sobretudo às circunstâncias de seu casamento com Kodama e de sua morte, na Suíça.
De acordo com María Esther Vázquez, o casamento _realizado no Paraguai, por procuração, dois meses antes da morte do escritor_ foi uma farsa imposta a um Borges já debilitado e incapaz de impor sua vontade. Para Barnatán, ao contrário, foi o coroamento de uma das únicas _talvez a única_ relação amorosa bem-sucedida do escritor.
Vázquez acusa Kodama de ter descumprido o desejo de Borges _expresso em poemas e cartas_ de ser enterrado no tradicional cemitério da Recoleta, em Buenos Aires, onde estão sepultados seus parentes. Barnatán afirma que o último desejo de Borges era ser enterrado em Genebra, para onde o casal teria mudado por desejo expresso do escritor, ''decepcionado com os rumos seguidos pelo governo radical argentino''.
Outro ponto central de discórdia é a relação Borges-Bioy Casares. A crer em María Esther Vázquez e no próprio Bioy, os dois escritores foram amigos fiéis até o fim (Borges telefonou a Bioy dois dias antes de morrer, para se despedir). A crer em María Kodama, os dois estavam distanciados havia muito tempo.
Para María Esther Vázquez e Bioy, a publicação póstuma de textos ''renegados'' por Borges é uma traição ao escritor. Para Kodama e Barnatán, Borges não renegou esses textos (só se pronunciou contra eles em circunstâncias muitos específicas ou em brincadeiras), e sua publicação é essencial para desfazer mitos criados em torno de Borges e baseados na desinformação de leitores e estudiosos.
Tudo indica que muita tinta ainda vai correr sobre esses temas sem que se chegue a certezas definitivas.



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