São Paulo, 5 de Fevereiro de 1999


MILONGA PARA OS URUGUAIOS


Milonga que aos uruguaios
Um portenho canta agora,
Pelas tardes e arvoredos
Que ficaram na memória.
Como é que sinto o uruguaio,
Eu descrevo deste modo:
É o gosto do que parece
Quase igual, mas não de todo.
Milonga de tantas coisas
Das quais vou perdendo o traço:
Casa de campo com friso
De azulejos e terraço.
Quando sai em tua banda,
O sol, que apaga entrementes
O farol do Cerro, deixa
A areia e as ondas contentes.
Milonga sobre tropeiros
Fartos de terra e caminho
Que pitavam fumo preto
Na Passagem do Moinho.
Lembro, à beira do Uruguai,
Alguém que, para cruzá-lo
Quando fugia, agarrou-se
À cauda de seu cavalo.
Milonga do tango _e tanto
Faz se o passo original
Foi nas casas de Junín
Ou foi nas casas de Yerbal.
Confunde-se como os tentos
De uma corda nossa história,
Essa história que, a cavalo,
Cheira a sangue e cheira a glória.
Milonga desses gaúchos
Que arremetiam sem medo
No pampa que é sempre igual
Ou na Coxilha de Haedo.
Quem sabe a quem pertenciam
Essas lanças inimigas
Que o tempo há de desgastar,
Se a Ramírez ou a Artigas?
Para lutar como irmãos
Qualquer terreno servia;
Que o digam os que em Cagancha
Viram seu último dia.
Ombro a ombro ou peito a peito,
Quantas vezes combatemos.
Quantas vezes nos venceram,
Quantas vezes nós vencemos!
Milonga de um esquecido
Que morre sem dizer nada;
Milonga de uma garganta
De orelha a orelha cortada.
Milonga do domador
De potros de casco duro,
E da prata que orna o arreio
Do animal de pêlo escuro.
Milonga sobre a milonga
Sob a copa do umbuzeiro;
Milonga sobre o outro Hernández
Que em Paysandú combatera.
Milonga para que o tempo
Apague enfim as fronteiras;
Não por nada as cores são
Iguais nas duas bandeiras.



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